André Luz – Historiador e coordenador do núcleo de base Nova Roma.
Por muitas vezes, mesmo entre a militância trabalhista, percebe-se um certo ar de constrangimento ao tratar de Getúlio Vargas. Muitos companheiros, quase que tentando se justificar antecipadamente, fazem todo um esforço retórico para dizer que “existem dois Vargas” ou que ele era “um homem de muitas faces”.
Geralmente, essa ideia está alicerçada em concepções liberais e pretensamente universais de “democracia” e “ditadura”, tendo como resultado uma falsa dicotomia entre um “Getúlio ditador” (1937-1945) e um “Getúlio democrata” (1951-1954). Acontece que tal divisão, além de desnecessária, é também uma forma de revisionismo histórico.
Getúlio foi um só. O “segundo Vargas”, o do retorno triunfante nos braços do povo, não existiria sem o “primeiro Vargas” da Revolução de 30 e do Estado Novo, período extremamente necessário e positivo para a nação, o batismo de fogo sem o qual seria impossível concretizar as reformas estruturais exigidas para o parto fórceps que pariu o Brasil moderno. Era aquilo que Alberto Pasqualini chamava de “ditadura técnica”, explicando que, por mais paradoxal que pudesse parecer para os desavisados, foi o Estado Novo que permitiu o período de efervescência democrática vigente entre 1945 e 1964.
Ao longo de seus dois governos, Getúlio Vargas lidou com as mais diversas conjunturas ao nível nacional e internacional, conjunturas que lhe exigiram diferentes táticas e estratégias para ser possível extrair dali o que seria mais vantajoso para os interesses nacionais, que sempre foram sua prioridade máxima e inegociável, acima de qualquer contenda divisionista. Reside aí, com seus erros e acertos, a genialidade do Velho enquanto maior estadista que esse país já viu. Getúlio Vargas tomou para si as tarefas que nos países do centro capitalista haviam sido das burguesias nacionais revolucionárias. Em outras palavras, Getúlio estava no lugar certo, na hora certa, personificando de forma vanguardista o zeitgast nacional e edificando a democracia trabalhista, nosso tão almejado horizonte político.
Dito isso, os trabalhistas – sobretudo os que integram as fileiras do PDT, partido orgânico do trabalhismo brasileiro, tradição de Vargas, Jango e Brizola – não devem adotar uma postura autofágica acerca do mais importante personagem de sua tradição, até porque para isso sempre houve toda sorte de detrator, seja de direita ou de esquerda. Conheçamos nossa história, tenhamos orgulho de nossos mártires e reivindiquemos com orgulho a integridade do legado que nos foi deixado, sem reservas covardes e sem nos deixarmos intimidar por oportunistas que fazem uso maniqueísta da história.