Neudes Carvalho – vice-presidente do PDT em SP, Pesquisadora sobre o Futuro do Trabalho, Articuladora do Movimento Negro
Minhas andanças pelos territórios periféricos mostram haver muitos surfando nas ondas do chamado “impacto social”. Às vezes os termos se repetem até que não se pense mais no seu significado. Ficam tão íntimos que paramos de pensar neles.
Qual será a ideia que a maioria das pessoas tem sobre o impacto social? Quais são os objetivos e quais grupos são impactados positivamente por essa “hype” tão comum atualmente?
Para pensar nos sentidos deste termo, precisamos pensar em outro: empreendedorismo. Ambos são indiscutivelmente importantes quando se pensa em desenvolvimento. O empreendedorismo como processo de identificar oportunidades de negócios e construir ideias, é uma ferramenta importante, mas que exige cuidado para não ser banalizado.
Por exemplo, é preciso cuidar para que esse conceito não se perca totalmente sob a ilusão da meritocracia, conceito um pouco ingênuo quando pensamos em sistemas historicamente desiguais e altamente injustos. O empreendedorismo só pode estar ligado ao impacto social se essas variáveis forem consideradas. Impacto social só é positivo quando socorre as pessoas e garante que sigam suas vidas com dignidade, sem depender de falsos e pequenos incentivos. Por isso me preocupo com diversas variáveis que conceituam o empreendedorismo e seus modelos e práticas.
É de fundamental importância considerar as mudanças que o “empreender” pode garantir para o indivíduo, mas é ainda mais urgente observar se especificidades coletivas são realmente abrangidas quando o assunto é o acesso aos benefícios e a participação na receita que o empreendimento ou projeto está gerando.
Trago um alerta antigo: que não se confunda o empreendedorismo impetuoso – que serve para enriquecimento e super acumulação de pouquíssimos – com as pautas fundamentais que carregam a intenção real de desenvolvimento socioeconômico, de efeitos amplos e coletivos.
Por exemplo, pensemos na vendedora de bolo de pote nas portas das universidades. Não se pode romantizar o fato dessa pessoa estar provavelmente sem salário, ou qualquer outro tipo de renda, e precisar vender bolo de pote para não passar fome. Mas é possível repensar as condições e possibilidades de se vender bolo de pote para gerar renda de forma organizada e
duradoura. Neste caso, é preciso observar as condições de produção, precificação, valorização do trabalho, possibilidades de ganhos reais e sustentáveis, assim como todos os fatores que implicam esse processo, dos insumos à condição de escala.
Nesse sentido, um futuro possível já está em construção. Os territórios periféricos já mostram isso há muito tempo. Afinal, a força de trabalho da favela é superestimada nas palavras e intenções de grandes empreendedores capitalistas, mas pouco valorizada quando se trata da divisão de lucros, segurança de trabalho, garantias mínimas de equidade estrutural e nos
processos produtivos.
Um exemplo disso é a dificuldade que empreendedores pretos tem para conseguirem crédito, assim como a dificuldade de precificar produtos e serviços de modo que esteja em competitividade em relação aos demais empreendedores. Existe uma desvalorização histórica da mão de obra e aceitação de produtos nos vários níveis de mercado em comparação aos concorrentes. Para superar esses obstáculos o compartilhamento de conhecimento, de ganhos, de trabalho e a autogestão precisam estar ao alcance desses trabalhadores e trabalhadoras, de forma democrática e transparente. Se a maioria atua, trabalha, mas não recebe igualmente, a ideia empreendedora permanece, mas a efetividade do impacto social precisa ser revisada.
Para se atingir esse objetivo, é fundamental pensar no aspecto educacional, na autonomia intelectual de trabalhadores e trabalhadoras. Compartilhar conhecimentos e recursos que possibilitam a execução, produção e os ganhos reais são eixos fundamentais para contrapor a exploração e combater as desigualdades.
A ideia difundida de que é difícil aprender ou explicar esses processos não se sustenta. Como empreendedora, percebo que a tríade: educação, cooperação e solidariedade elevam e qualificam o debate em torno do tão aclamado empreendedorismo. Ou se faz pelo coletivo ou o bordão “a favela venceu”, fica vazio.
Muito importante reforçar que a cadeia do empreendedorismo acompanha a lógica da pirâmide social brasileira, estando sujeita a questões sensíveis como a fome e o desemprego.
Por isso questiono: que desenvolvimento queremos?
O desenvolvimento que fará diferença para a sociedade é aquele que considera a superação das dificuldades que emergem dos quesitos de raça, cor, classe e gênero. Ainda, se historicamente o Estado não deu conta de garantir emprego e renda suficientes para grande parte da população, como a sociedade receberá a devida atenção do Estado fora das
linhas celetistas?
É indiscutível o fato do brasileiro ser um povo resiliente, criativo e muito solidário. Os territórios
afastados dos grandes centros sempre contaram com sua própria sorte, com a habilidade da
improvisação para sobreviver. O empreendedorismo nas favelas é uma resposta para o silêncio do Estado brasileiro frente a
tanto sofrimento; ao mesmo tempo que as economias favelísticas geram em torno de 200 milhões por ano, seria importante considerar as métricas em torno de emancipação financeira e o impacto em seus locais de atuação.
É inegável que o povo trabalhador, pobre e periférico faz girar uma segunda sociedade dentro da “principal sociedade”, ou da sociedade que recebe mais olhares do poder público. Como diferentes setores poderosos poderiam potencializar essas economias para diminuir distâncias entre o produzir e o acessar? Como garantir que a tão necessária luta pela representatividade não se perca nas garras de um sistema que acolhe as diferenças de grupos específicos só para aumentar o lucro dos seus iguais? Como nós, essa massa de empreendedores periféricos pertencentes a grupos historicamente explorados no mundo do trabalho, podemos identificar essas velhas práticas viciosas, não permitindo que muitos dos nossos seja ou assuma o discurso e a postura patronal de explorador do seu próprio grupo social?
São perguntas que precisam ser respondidas para o empreender com real impacto.
Há instrumentos valiosos disponíveis ao alcance do empreendedor ,no entanto faltam pessoas com a capacidade de fazer essa ligação .
Em nosso partido temos os Núcleos de Base que poderão exercer esse papel .
Posso apoiar um Núcleo que queira assumir essa tarefa . Há alguém disposto a montar ?