O trabalhismo e o marxismo: elementos inconciliáveis ou o sincretismo necessário?

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Lucas Barros – fundador do canal Central do Trabalhismo e membro do Núcleo de Base Ação Popular Revolucionária

Introdução: contradições a serem superadas

Não é raro encontrar, dentro e fora das fileiras pedetistas, subculturas autodeclaradas trabalhistas que usam de arcabouço retórico e argumentativo extremamente anticomunista para explorar o trabalhismo brasileiro. Se levarmos a cabo a reflexão sobre essa tentativa de convergência (trabalhismo e anticomunismo), é perfeitamente possível concluir que essa é uma das mais violentas e irresponsáveis ofensas possíveis à trajetória histórica do trabalhismo brasileiro.

Fato é que o movimento trabalhista brasileiro apenas prosperou nos momentos que mais se colocou como representante dos movimentos radicais de libertação nacional. A distorção centrista que alguns tentam impor ao trabalhismo – ou, pior, reacionária – não combina com a nossa história.

Adianto a minha visão: o movimento trabalhista, tal como o resto das esquerdas, é refém da ideologia jurídica. O campo das esquerdas, que deveria ser rebelde para a superação do liberalismo e questionador quanto as instituições da democracia liberal, está prestando um serviço a favor do ordenamento jurídico que consolida o capitalismo selvagem brasileiro. O trabalhismo brasileiro deve desamarrar-se dessa lógica, e pensar a inadiável Revolução Brasileira.

Gostaria de tentar elucidar um pouco o debate em torno dessa questão central para a construção de uma teoria trabalhista para o séc. XXI. Ademais, saúdo a iniciativa dos companheiros da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (FLB-AP) de levantar um espaço de debates como este. Espero, aqui, poder contribuir com a construção radical e de esquerda nacionalista do nosso partido, o glorioso e histórico Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Um Brasil nacional-desenvolvimentista deve ser o nosso horizonte máximo?

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), que funda o auge da consciência crítica não marxista no Brasil, ao formular o seu projeto estruturalista, observou as condições concretas e existentes para colocar em prática seu projeto industrializante. Isso, pelo menos, até a década de 50. A década posterior, de 1960, de acordo com Theotonio dos Santos em “O caminho brasileiro para o socialismo”, marca o aprofundamento das contradições do capitalismo que desorganizaram as condições em que se sustentava a teoria da CEPAL, determinando a impossibilidade de construção de um desenvolvimento autônomo pelas mesmas bases institucionais postas.

A dinâmica econômica internacional, desde então, tornou prioridade o domínio do centro sob a periferia do capitalismo e impôs novos impeditivos para a continuidade dos movimentos de independência econômica.

A estrutura de dependência muito bem estabelecida que, hoje, rege o desenvolvimento capitalista nacional – expressa na transferência de riqueza líquida para o estrangeiro, ou, como diria nosso gaúcho revolucionário Leonel de Moura Brizola, as perdas internacionais -, impede intransigentemente a possibilidade de mudanças práticas pelo reformismo.

A definitiva e irreversível integração da burguesia nacional ao imperialismo culminou no abandono completo das aspirações nacional￾desenvolvimentistas. A história de vida de Getúlio Vargas, que terminou com uma bala no peito para salvar o Brasil, é a prova viva.

Ruy Mauro Marini – uma das principais cabeças da Teoria Marxista da Dependência (TMD) – buscou compreender tal problemática do subdesenvolvimento e da dependência, aprofundada em sua obra “Subdesenvolvimento e Revolução”:

“Tal processo se completou com a renúncia da burguesia a levar a cabo uma política de desenvolvimento autônomo. (…) A burguesia industrial latino-americana passa do ideal de um desenvolvimento autônomo para uma integração direita com os capitais imperialistas, dando lugar a um novo tipo de dependência, muito mais radical que a anterior. É definitivamente desnacionalizada a burguesia local.”

Pág. 70-71.

A burguesia nacional, pelo grau de desindustrialização e internacionalização da economia brasileira, agonizou. A fração da burguesia que era adepta desse espaço colapsado da cadeia produtiva sofre um impacto violento. A burguesia que consegue, nesse contexto, acender, é a da especulação nos juros pornográficos brasileiros existentes desde o Plano Real, que instituiu o caráter rentístico da economia brasileira,

“A burguesia, fraca, impotente, preferiu a especulação, os lucros fáceis, a investir nas grandes indústrias, que mais lentamente realizam o capital.”

Moniz Bandeira

Ou seja, flertar com um projeto conciliador com uma suposta burguesia industrial – que toparia se aliar ao proletariado na luta pela soberania nacional – agora, é flertar com o capital estrangeiro, financeiro e agrário – que tomou o lugar do industrial. Essa fração que sobrou da burguesia jamais irá criar um pacto industrializante no Brasil. A burguesia que sobrou é, justamente, a que se interessa em desmontar o Estado nacional e continuar o projeto Brasil-fazenda: um buraco de exportação de matéria-prima para as potências estrangeiras e, delas, importar tecnologia de ponta. A nossa burguesia é uma sócia local subordinada ao capital estrangeiro.

Darcy Ribeiro, na obra “O Povo Brasileiro”, explica exatamente isso,

“A nossa classe dominante é chamada a exercer, desde o início, o papel de gerenciador de interesses estrangeiros, mais atenta para as exigências destes, do que para as condições de existência da população nacional. Nossas classes dirigentes não são um estrato senhorial de uma sociedade independente, mas uma representação local, alienada, de uma outra classe dominante, a qual ela serve.”

A conclusão óbvia é que a boa intenção de um projeto nacionalista￾modernizador PRECISA, NECESSARIAMENTE, estar atrelado a um projeto de Revolução Brasileira. O capital estrangeiro, agrário e financeiro engoliu a burguesia nacional que já existiu. A FIESP trocou o “I” de “Indústrias” para “Importações”. Se jogaram na especulação. Qualquer Projeto Nacional na América Latina não vinga no capitalismo dependente e periférico.

Não imagino que seja razoável imaginar uma nação latino-americana se libertando do imperialismo “institucionalmente”. O meu horizonte é o socialismo real. Mas, se não for o horizonte de meus amigos queridos do campo trabalhista, tudo bem. O que quero argumentar, por aqui, é que não existe a possibilidade mínima de levar a cabo um projeto reformista sem, previamente, um projeto revolucionário.

Cito, novamente, Darcy Ribeiro, em uma de suas melhores obras, “O Dilema da América Latina”:

“Isto significa que, para realizar as reformas estruturais, é necessário fazer previamente a revolução. Significa também que este é um imperativo irrecorrível, tanto para os que aspiram a um regime nacionalista-modernizador, como para os que querem avançar pelo caminho do socialismo.”

Ou seja, nesse momento, precisamos abrir os portões da Revolução Brasileira. Isso passa por pensar a centralidade da questão nacional, como indicou o tio de Moniz Bandeira e intelectual do PDT Edmund Moniz, a originalidade das revoluções, e adaptar as experiências revolucionárias mundo afora a concreta realidade brasileira.

Isso passa, portanto, por assumir o caráter indiscutivelmente necessário do nacionalismo revolucionário, em oposição ao entreguismo – de esquerda ou de direita -, e ao nacionalismo burguês, reacionário e de direita.

Trabalhismo e marxismo: o sincretismo necessário!

Wendel Pinheiro, um dos maiores escritores vivos sobre a brilhante e honrosa história do trabalhismo brasileiro, em sua obra “Um Tempo Bem melhor para se Viver: a trajetória histórica do trabalhismo brasileiro”, pág. 60, ao definir os vetores que consolidaram os princípios ideológicos do trabalhismo brasileiro, cita como 8° vetor,

“A influência do marxismo-leninismo, através da vertente prestista, colocando à esquerda as visões já existentes do trabalhismo, como a política anti-imperialista e o nacionalismo de vertente democrático-popular, defendidas pelo PCB de Luís Carlos Prestes (1898-1990). Igualmente, as perspectivas teóricas da Teoria Marxista da Dependência (TMD) teriam eco nas formulações teóricas sobre o trabalhismo”.

Fato é que o desencontro histórico entre trabalhistas e comunistas é um erro imperdoável, primeiramente, por parte dos comunistas. A construção do socialismo passa pela relação dialética do movimento revolucionário com um movimento de massas nacionalista e popular, e os comunistas do século XX não souberam entender isso. Nem mesmo o futuro Presidente de Honra do PDT, Luís Carlos Prestes que, convidado por Vargas, negou ser chefe-militar da Revolução de 30.

Em segundo lugar, a militância trabalhista – e não estou dizendo que a grande maioria é assim –, hoje, precisa parar de ignorar o socialismo revolucionário como alternativa prática. Uma tentativa de caracterizar o trabalhismo como uma espécie de social-democracia nórdica adaptada ao contexto brasileiro é uma maneira de simplificar e falsear nossa corrente política.

Tal argumentação se dá em torno da obra de Alberto Pasqualini, opositor ao socialismo real e primeiro doutrinador do trabalhismo brasileiro. Pasqualini é um importantíssimo autor da nossa ideologia e todo trabalhista digno tem o dever de ler sua obra, pela importância histórica e pela qualidade de sua contribuição. Entretanto, Pasqualini morreu sem ver o Golpe de 1964, sem nem ouvir dizer do PDT. Como diria o escritor trabalhista Daniel Albuquerque, estamos em um hiato intelectual de 75 anos onde não houve Darcy Ribeiro, Theotonio dos Santos e tantos outros? O importante resgate de Pasqualini não pode ignorar o que aconteceu depois dele,

“Como sabemos, o Trabalhismo Brasileiro enquanto cultura política percorre todo um movimento histórico — inserido no desenvolvimento do processo histórico brasileiro — refletindo, fazendo autocríticas e constantemente se auto superando em suas concepções. De forma que o trabalhismo como pensado por Pasqualini foi extensamente submetido a
críticas internas no período e superado ideologicamente por seus sucessores intelectuais no partido que, em suas próprias concepções, como ocorre em toda escola de pensamento, ainda aludem aos pontos positivos do primeiro sem o temor de criticar o que consideravam erros e equívocos para, com isso, avançar com a teoria”

Daniel Albuquerque, em sua obra “Escritos sobre a Teoria Política para o Trabalhismo do Séc. XXI”

Aos interessados no debate, não posso deixar de recomendar que assistam ao vídeo “O TRABALHISMO DEVE SUPERAR ALBERTO
PASQUALINI?”, do canal Central do Trabalhismo (https://youtu.be/lwEfik1DXOE?si=dN8WBANog-9nInVz).

Dessa forma, muitos trabalhistas, inspirados por seu anti-imperialismo, seu nacionalismo e sua sede por reformas estruturais, deixaram de encontrar na democracia burguesa alguma possibilidade de mudanças estruturais.

Cito novamente Daniel Albuquerque, escritor e dirigente nacional do Núcleo de Base Ação Popular Revolucionária (APR), que em entrevista ao canal Central do Trabalhismo, diz que existem 2 aspectos fundamentais para pensar a questão marxista no âmbito do trabalhismo. Primeiramente, o filosófico, pois não existe um método de análise fechado pertencente ao trabalhismo, não havendo contradição em filiar-se ao materialismo histórico￾dialético. Do ponto de vista histórico, por sua vez, fica mais absurdo ainda indicar alguma contradição entre trabalhismo e marxismo, segundo Albuquerque, que destaca figuras como Darcy Ribeiro, Vânia Bambirra, Theotonio dos Santos, Moniz Bandeira, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião e
diversos outros.

O trabalhismo, para além de qualquer coisa, é uma tradição viva, que acompanha as agendas sociais e as demandas populares de um contexto histórico da classe trabalhadora brasileira, como diria o autor marxista Moniz Bandeira, em sua obra “Trabalhismo e Socialismo no Brasil”.

Dessa forma, o trabalhismo tem o dever histórico de ser, como declarou Leonel Brizola, o caminho brasileiro para o socialismo.

Temos o dever histórico de sermos vanguarda na construção de uma sociedade que exale ciência e tecnologia, cultura popular, justiça social, desenvolvimento das forças produtivas, distribuição de terras, enquanto nação autônoma, e, principalmente, cujo povo exista para si e não seja um mero proletariado externo, destinado a servir ao mercado mundial. Nossa missão histórica é fazer do Brasil uma Nação que exerça legitimamente sua soberania, que se desamarre da lógica dependente, que construa sua capacidade produtiva, que leve a cabo a luta contra o subemprego e o desemprego, contra o analfabetismo, que democratize a terra, a moradia, que aumente os salários e que universalize uma universidade e uma escola séria.

Ou seja, ser o caminho brasileiro para o socialismo. Se não o formos, falhamos miseravelmente, camaradas.

Quero deixar claro que não existe uma corrente ou entrismo comunista no PDT. O PDT não é um partido de correntes e nem deveria ser. Somos um partido cujo horizonte institucional deve ser uma agremiação de nacionais￾reformistas, nacionalistas e socialistas comprometidos, até a morte, com a soberania nacional. Nesse contexto, existem os que vão propor o marxismo, e isso deve ser objeto de debate, e não de oposição raivosa, desrespeitosa e desconectada da realidade.

“É imperativo que a revolução brasileira encontre soluções socialistas. E não é uma questão de escolher uma doutrina de um livro. Somente as soluções socialistas é que permitem a defesa dos povos contra o imperialismo”

Leonel Brizola

“Nosso Partido [PDT] jamais tratou de erigir uma fórmula rígida de socialismo. Definir-nos como social-democratas? Não! Historicamente, em todas as oportunidades em que chegou ao governo, serviu de força estabilizadora do capitalismo.”

Vânia Bambirra

“Pensar que se pode vencer na luta anti-imperialista nos limites do Estado burguês, é cair numa utopia reacionária. Esse Estado está intimamente ligado ao capital financeiro internacional.”

Moniz Bandeira

“Acho saudável a militância debater se cabe ou não o marxismo no trabalhismo, apesar de sempre relembrar que muitas figuras importantes do trabalhismo eram marxistas. Agora, que fique claro: o anticomunismo não cabe no trabalhismo.”

Antônio Neto

“Nós, trabalhistas, somos basicamente um movimento nacional￾democrático que se propõe a avançar para o socialismo revolucionário.”

Theotonio dos Santos

“A decisão do PDT de participar da democracia burguesa não é para legitimá-la, mas sim para organizar os trabalhadores.”

Manoel Dias

“A velha democracia liberal e capitalista está em franco declínio porque tem seu fundamento na desigualdade. A ela pertencem, repito, vários partidos com o rótulo diferente e a mesma substância. A outra é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me filio. Por ela combaterei em benefício da coletividade.”

Getúlio Vargas

Este post tem um comentário

  1. Daniel Albuquerque

    Tema importante e inadiável. Belíssima contribuição para o VI Congresso Nacional do PDT ????????????????

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