DE 1855 A 2023 — A CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO MORENO

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Breno Frossard – Presidente da Juventude Socialista de Novo Hamburgo–RS e Presidente de Honra do Núcleo de Base Ação Popular Revolucionária

No campo progressista e nacionalista, muito se fala hoje sobre “socialismo moreno”, “socialismo brasileiro” e diversos outros conceitos que nos remetem a um “novo” ideal socialista, disposto a compreender a profundidade nacional e somá-la aos ideais marxistas.

No entanto, na prática, não existe atualmente um conceito exato do que significa “socialismo moreno”. Com uma rápida pesquisa ao Google, verá que “Alberto Pasqualini foi um dos maiores defensores do Socialismo Moreno” e que:

“Alberto Pasqualini rejeitou o socialismo real e fez a defesa da economia de mercado, mas, inspirado pelo solidarismo católico, ainda que agnóstico na sua vida pública, considerou que todo lucro deve corresponder a um ganho social, chegando a utilizar o termo “capitalismo solidarista” como sinônimo de trabalhismo, que foi posteriormente definido como sinônimo de socialismo moreno pelo PDT”.

De todo modo, o “socialismo moreno”, em sua vaga história de elaboração por diversas figuras, não se tornou sinônimo de mero “capitalismo solidarista”. Pasqualini, da mesma forma, rejeitou o conceito de “democracia socialista”, ainda que não marxista, defendida por Getulio e Jango. O “Socialismo Moreno”, portanto, ainda é um termo vago, a se preencher de sentido a partir da análise coletiva da realidade econômica, política e social.

Nesse sentido, o socialismo moreno precisa ser uma proposta de construção de uma sociedade justa, democrática e soberana, que não se limita a copiar e colar o marxismo-leninismo europeu, mas que utiliza das suas lições, bem como da experiência revolucionária dos países do Sul Global, como ferramenta para elaborar a sua própria solução socialista, adaptada à realidade nacional.

O socialismo brasileiro deve ter como base teórica e histórica a contribuição de diversos pensadores e militantes que, desde o século XIX, buscaram interpretar e transformar a realidade brasileira, dialogando com o movimento socialista internacional, mas sem perder de vista as especificidades do país.

Um dos precursores do socialismo brasileiro foi o General Abreu e Lima. Escritor e político brasileiro, participou da Independência da América Espanhola e da Confederação do Equador no Brasil, um dos grandes aliados de Simon Bolívar. Um dos primeiros pensadores socialistas do Brasil, defensor da emancipação dos escravos, da reforma agrária e da educação popular.

Em seu livro “O Socialismo”, publicado em 1855, Abreu e Lima demonstrou conhecer bem os autores clássicos do socialismo utópico, como Babeuf, Saint-Simon, Fourier e Owen, e analisou as suas propostas de organização social baseadas na igualdade, na fraternidade e na cooperação.

Ele criticou o capitalismo, o liberalismo e o colonialismo, considerando-os sistemas opressores e exploradores dos trabalhadores e das nações. Abreu e Lima propôs um socialismo adaptado à realidade brasileira, que respeitasse a diversidade cultural, étnica e religiosa do país.

O mais curioso aqui não é a honrada trajetória do General, mas sim que, em seu livro “O Socialismo”, além de analisar a obra do Socialismo Utópico, Abreu e Lima faz o mesmo que Marx e Engels: propõe a superação deste socialismo utópico em prol da sua maior concretitude e adaptação a diversas realidades nacionais. Hoje, os socialistas brasileiros, felizmente leem Marx, mas ler Abreu e Lima deveria ser tão importante e priorizado quanto.

Outro expoente do socialismo brasileiro foi Astrojildo Pereira. Escritor, jornalista, crítico literário e político brasileiro. Nasceu em 1890 em Rio Bonito e morreu em 1965, na mesma cidade. Fundador do Partido Comunista do Brasil (PCB) em 1922, após desiludido com o anarquismo e o liberalismo.

Quando fundou o PCB, Astrojildo admite em suas obras que não conhecia muito sobre marxismo, mas que usava o que sabia de Lenin, misturado a conhecimentos posteriores sobre história do Brasil, algo que também podemos, e devemos, fazer.

Pereira também foi um grande admirador de Machado de Assis, sobre quem escreveu vários ensaios e um livro, que defendia o caráter socialista das obras nacionais, especialmente as de Machado.

Teve uma vida ativa e engajada na cultura e na política do seu tempo, participando de campanhas, greves, congressos, revistas e jornais. Considerado um dos principais intelectuais marxistas do Brasil e um dos pioneiros da crítica literária no país. Em sua obra, Astrojildo Pereira enfrentou o desafio de adaptar o marxismo à realidade brasileira, dialogando e criticando autores como Oliveira Vianna e Otávio Brandão.

Defendeu um socialismo que considerasse as particularidades históricas, sociais e culturais do Brasil, sem cair no dogmatismo ou no nacionalismo estreito. Além disso, na década de 30, Astrojildo foi expulso do Comitê Central, por ordem da Internacional Comunista, por acertadamente defender que os comunistas liderassem e participassem da revolução de 30.

Após o período Vargas, enquanto o PCB se guiava apenas pelas orientações da Internacional Comunista, restringindo o desenvolvimento interno de um movimento socialista, o PTB aparecia como maior força da esquerda brasileira. Atraídos pelo ideal nacionalista do partido, muitas lideranças que antes faziam parte de grupos como o POLOP e COLINA, começaram a integrar o PTB. 

Importante citar que essas lideranças eram majoritariamente trotskistas, mas enxergavam a entrada no PTB como positiva, pois Trotsky havia, em seus escritos latino-americanos, feito a defesa crítica do governo Vargas.

Estes foram presos e/ou exilados após a ditadura militar de 64 e a deposição do governo Jango, a qual muitos compuseram. Participaram também da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 1979, com Leonel Brizola e durante o período militar se dividiram em grupos como MRT, MR-8 e afins. 

Dentre esses nomes cito honrosamente Theotonio dos Santos, Moniz Bandeira e a grande Vânia Bambirra, que se exilou no Chile em 1980, onde continuou sua pesquisa acadêmica e sua atuação política. Reconhecida como uma das mais originais teóricas marxistas da América Latina e uma das mais influentes intelectuais feministas do continente.

Em sua obra, esse grupo desenvolveu uma análise crítica da dependência econômica da América Latina em relação ao capitalismo mundial, propondo uma alternativa de desenvolvimento autônomo baseada na integração regional e na participação popular.

O socialismo brasileiro também deve ter como base teórica figuras nacionalistas não necessariamente marxistas, como Getúlio Vargas, Leonel Brizola e João Goulart, que tiveram um papel importante na história política e social do Brasil, defendendo os interesses nacionais, os direitos dos trabalhadores e as reformas trabalhistas.

Essas figuras representam uma tradição de luta pela soberania nacional e pela justiça social que não pode ser ignorada ou desconsiderada pelo socialismo brasileiro. O socialismo brasileiro deve se apropriar dessa tradição, reconhecendo seus méritos e limitações, buscando superar suas contradições e incorporar suas conquistas.

Um exemplo inspirador para o socialismo brasileiro é o caso de Cuba, que realizou uma revolução socialista em 1959, liderada por Fidel Castro e Che Guevara. Cuba conseguiu resistir ao bloqueio econômico e à agressão militar dos Estados Unidos, mantendo a sua independência e dignidade. 

Conseguiu também dar grandes passos na saúde, na educação, na cultura e no desporto, tornando-se um exemplo de solidariedade internacionalista. Cuba não começou a revolução como socialista, mas como nacionalista e anti-imperialista. Foi só depois da revolução que Cuba se declarou socialista e se aproximou da União Soviética.

Em Cuba, existe uma reverência pelo não marxista José Martí, poeta e herói da independência cubana, considerado o apóstolo da revolução. Cuba demonstra que o socialismo não é uma receita pronta, mas sim um processo histórico e criativo que se adapta às condições concretas de cada país.

Se algumas aplicações nacionais como “Socialismo com Características Chinesas”, a “Ideia Juche” e outras são, para estes povos, a inovação dialética da aplicação marxista para a realidade de suas nações, o Socialismo Moreno deve seguir e ser construído sob o mesmo norte.

Retornando ao primeiro parágrafo, aonde nos referimos à Alberto Pasqualini, é importante reforçar que este não é, como aquela breve definição nos diz, uma figura adepta do socialismo moreno, e sim do que chamou de capitalismo solidário. 

Mesmo com literatura vaga sobre o que seja o “socialismo moreno”, há uma divergência entre este conceito e o conceito de capitalismo solidário defendido por Alberto Pasqualini. Essa divergência é evidente através da comparação entre as concepções de capitalismo de ambos os conceitos.

Enquanto Pasqualini acreditava na possibilidade de humanizar e democratizar o capitalismo, por meio de uma maior participação dos trabalhadores na gestão e nos lucros das empresas, o socialismo moreno almeja superar o capitalismo, por meio de uma transformação radical das relações de produção e de distribuição.

O socialismo moreno não se contenta com reformas parciais e paliativas, que apenas amenizam os efeitos nefastos do capitalismo, mas sim busca uma ruptura com a lógica da exploração, da acumulação e da desigualdade.

O socialismo moreno não se ilude com a falsa ideia de que o capitalismo pode ser solidário, quando, na verdade, ele é intrinsecamente excludente, predatório e opressor. É impossível ser socialista e se conformar com a manutenção do status quo, que beneficia uma minoria privilegiada em detrimento da maioria empobrecida.

O socialismo moreno não é uma versão atenuada ou moderada do socialismo, mas sim uma versão autêntica e radical do socialismo, que tem como objetivo final a emancipação humana e a felicidade coletiva. Se a prática é o critério da verdade, não só de teoria vive o Socialismo Moreno.

Apesar de poucas e muitas vezes reprimidas experiências, o Socialismo Moreno já governou. Por primeiro exemplo, a Comuna de Manaus, uma revolta tenentista que ocorreu em 1924 no estado do Amazonas, liderada pelo tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior. Teve grande apoio popular e foi motivada pela crise econômica e social causada pelo fim do primeiro ciclo da borracha, que levou à queda dos preços e à miséria dos trabalhadores.

A Comuna de Manaus defendeu as mesmas reivindicações políticas das outras revoltas tenentistas, como o voto secreto, a reforma do ensino público e a destituição do presidente da República. 

Além disso, a Comuna confiscou propriedades e fundos bancários dos membros das oligarquias, que exploravam e oprimiam o povo amazonense. Foi uma manifestação de resistência e de luta pela soberania nacional e pela justiça social, que expressou os anseios e as necessidades do povo do norte do Brasil.

Outra mencionável experiência concreta do socialismo moreno são os governos de Getúlio Vargas e João Goulart, presidentes do Brasil em diferentes períodos da história republicana. Getúlio Vargas governou o Brasil de 1930 a 1945, no período conhecido como Era Vargas, e de 1951 a 1954, no período conhecido como Segundo Governo Vargas. 

João Goulart foi vice-presidente de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e de Jânio Quadros (1961), e assumiu a presidência após a renúncia deste último, governando de 1961 a 1964. Tanto Vargas quanto Goulart foram líderes trabalhistas, que defenderam os interesses nacionais, os direitos dos trabalhadores e as reformas sociais.

Enfrentaram a oposição dos setores conservadores da sociedade, que os acusavam de comunistas e de ameaçar a ordem democrática. Ambos foram vítimas de golpes, que interromperam seus mandatos e instauraram regimes antipopulares. São heróis brasileiros, que inspiraram o movimento nacionalista e socialista no Brasil.

O Socialismo Moreno é uma proposta de socialismo, a alternativa brasileira ao nosso modelo de capitalismo, o qual é a causa de todos os males. É uma proposta de reinvenção do Brasil, do nosso país, nosso lar, do nosso destino e do destino da América Latina, a nossa pátria grande, a nossa mãe terra, a nossa esperança.

O Socialismo Moreno é uma proposta de mundo, do nosso lar comum, o nosso planeta vivo, do nosso sonho possível. É uma proposta a nós, que somos os sujeitos da história, os construtores do socialismo, os filhos da revolução. O Socialismo Moreno é uma proposta de nós todos, que somos irmãos e irmãs, companheiros e companheiras, camaradas e amigos.

Este post tem um comentário

  1. Lucas

    Artigo MUITO pertinente do Breno Frossard. O socialismo moreno não pode ser um termo solto e sem significado. Muito bom!!

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