João Marcos Grams – mestrando em história política, especialista em gestão educacional, consultor educacional em ONGs a 5 anos e vice-presidente da FLB DF e da JS DF.
Onde estamos?
A crise política e institucional atual não é exclusividade de somente um campo político, partido, grupo social ou representação geográfica. Se torna cada vez mais claro que a Nova República, enquanto conjunto institucional, perdeu a sua capacidade de operar a criação de consensos que permitam o desenvolvimento do país de acordo com seus próprios objetivos constitucionais.
A degradação das estruturas de representatividade e controle, como é fácil perceber nos recentes incidentes entre os três Poderes, os governos estaduais e municipais, apresenta um cenário de instabilidade institucional que ameaça gravemente a nação. A iminência de uma ruptura institucional não se consolidou no extremista governo Bolsonaro, mas o desgoverno serviu apropriadamente os interesses corporativos das mais perigosas organizações políticas do país.
Hoje, qualquer pretensão institucional de salvaguardar os aspectos progressistas e garantistas do desenvolvimento social da Constituição de 88 foram abandonados na retórica institucional brasileira. No lugar, um neoliberalismo corporativista toma conta, se aproveitando do tensionamento social causado por anos de crescente polarização política para descaminhar os rumos do país. Não se fala mais em parlamentarismo ou semipresidencialismo como decisões políticas rejeitadas, diversas vezes, pelo povo brasileiro, mas sim como soluções acordada para uma crise política fabricada pelos mesmos setores que mais tem a ganhar com a degradação de nosso sistema político.
As desconjuntadas instituições republicanas do país se engalfinham em uma luta constante pela capacidade de liderar a fragilização política: o Executivo, tomado pelas necessidades institucionais do presidencialismo de coalizão; o Legislativo, aparelhado pelos interesses profundamente reacionários da continuidade individual; o Judiciário, esticado a operar em locais sociais distantes de suas funções, gerando um eterno questionamento a sua legitimidade; os estados, consumidos por um modelo fiscal e econômico inoperante; os municípios, reféns da hiper individualização das emendas impositivas.
Só um movimento comanda a união institucional entre esses atores: a neoliberalização total das estruturas políticas, econômicas e sociais do país. Essa união entre setores do capital, motivados pelo exterior, forças políticas reacionárias ou compromissadas somente com sua própria permanência, constrói a coalizão perfeita para atacar as combalidas estruturas sociais da carta magna de 88.
Nesse contexto, a crise das esquerdas começa a adquirir contornos mais sugestivos a um observador atento. Institucionalizadas, as lideranças populares progressistas perdem sua capacidade de agir enquanto atores centrais do processo político popular. As sucessivas reformas eleitorais e partidárias, soluções simplistas para problemas éticos vendidas como milagres modernizadores, destruíram a força e a capacidade de mobilização dos partidos políticos, individualizando e personalizando a ação dos eleitos. As entidades de massa como os sindicatos, associações de classe e movimentos sociais se encontram em limbos institucionais, fragmentadas socialmente e enfraquecidas em seus poderes econômicos e sociais por uma série de reformas liberalizantes defasadas.
Enfraquecidas, as organizações populares são substituídas por entidades privadas, travestidas de ONGs, de origem nem sempre clara, mas enormes saldos organizacionais, recursos financeiros e humanos, e bases ideológicas amplas, brandas e difusas, sedutoras para uma parcela social que precisa de apoio para atuar politicamente em um deserto de incentivos e rejeição aos partidos. A política não deixa espaço para vazios, aonde um partido perde a capacidade ou interesse em fundar lideranças, algo novo surge para cumprir esse papel. Não aponto aqui defeito naqueles que participam dessas escolas do novo arcabouço institucional, mas sim nos proponho a perceber como perdemos esse lugar.
E o Trabalhismo?
A partir deste contexto, cabe aos trabalhistas a dura tarefa de olhar para a realidade não pelas lentes da nostalgia ou do sonho de grandeza, mas sim por uma dura análise materialista da realidade de nosso campo, nosso partido e nossa ideologia.
A realização do VI Congresso Nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT) fornece uma oportunidade, não sempre presente, de realizar uma reflexão profunda sobre as teses orientadoras e, de forma ainda mais central, sobre as estratégias adotadas pelo Trabalhismo brasileiro em sua tentativa de conquistar o povo. A verdade é a de que esse momento, para o qual infelizmente não dispomos de um cronograma particularmente favorável, tem o grande risco de se consolidar em um dos momentos mais estratégicos na compreensão do Trabalhismo brasileiro, no momento em que pode passar a ser mais ameaçado.
Os valorosos esforços das lideranças partidárias não são mais capazes de suplantar a tarefa organizativa de todo um corpo político vivo e dinamizado. Se sobrevivemos até aqui pela grandeza de nossos líderes, precisamos agora os tornar ainda maiores ao continuar seu trabalho.
Não há como não reconhecer o PDT enquanto legitimo herdeiro e única entidade portadora da tradição histórica e política do Trabalhismo em seu estado mais refinado. Nosso diálogo com os ideais de Vargas, Vânia, Brizola, Lélia, Darcy, Abdias e tantos outros é o que permite a nós, mesmo que acuados, manter uma compreensão fundamental da história do desenvolvimento e dos conflitos sociais brasileiros.
No entanto, o fio da história que carregamos não pode servir de guia como em um labirinto grego. Nossa saída não está em uma retomada ou rememoração absoluta de nossa história, mas na construção, a partir dessa história, de um mecanismo partidário sólido, refinado, moderno e capaz de resistir e enfrentar os desafios atuais da sociedade brasileira e seu sistema político periférico ao pós-capitalismo.
A verdade pragmática, que tenho a impressão escapa de muitos ao nos fazer encarar uma dura realidade no lugar das doces lembranças do passado, é a de que o PDT, e por consequência o Trabalhismo, se encontra em um momento crítico de sua história. O questionamento “quantos parlamentares temos eleitos atualmente?” Não pode ser respondido com “Elegemos uma das maiores bancadas da redemocratização.”
O sabor amargo de um remédio não pode ser confundido com o delírio febril que aumenta se não tratada. Não podemos seguir a construir um futuro em que vivemos de uma memória de grandeza, sem perceber que, literalmente se tratando de um momento de emergência climática, social e econômica, afundamos na armadilha da política neoliberal e imperialista.
O PDT tomou a mesma escolha estratégica da grande maioria dos movimentos políticos de nosso país: se constituir enquanto um partido popular no lugar de um partido de classe ou de grupos específicos. Essa organização é extremamente lógica ao considerarmos a enorme diversidade, em todos os sentidos, do povo brasileiro. Porém, essa escolha acarreta custos políticos que necessitamos atualizar, com correção, para compreendermos como superar os desafios atuais.
A verdade é que o Trabalhismo sempre operou com bases regionalistas fortes, isso nunca se constituiu em obstáculo, desde que combinadas com uma campanha central fortalecida, popular e profundamente conectada com os desafios do tempo. No entanto, da mesma forma que uma figura central sempre serviu de fio condutor de nossos esforços, a força regional também precisa estar alinhada e empoderada para dar a força a essa linha condutora.
O Trabalhismo, por ser um dos principais movimentos verdadeiramente populares brasileiros, sempre foi alvo dos mais inescrupulosos ataques por parte dos interesses conservadores radicalmente contrários a nosso projeto de nação. Por representar o mais avançado movimento nacionalista popular e democrático, se transforma em alvo prioritário das forças desaglutinadoras. E a verdade amarga é a de que nosso campo, apesar de ter se encaixado perfeitamente bem no sistema da nova república, é lentamente envenenado pelo chão republicano onde a rosa foi plantada, sem ter mais a chance de se nutrir da única gota de orvalho propagandeada por Brizola.
Essa analise não se trata de uma dedução abstrata, mas surge facilmente ao olharmos nossos números e a trajetória declinante de nossa representação. Hoje, o trabalhismo tem de perceber sua proximidade da neutralização por elementos como a cláusula de barreira e a asfixiante legislação eleitoral e partidária e enfrentar essa situação de frente, com a coragem e a certeza de seu lugar orgulhoso na história e no presente brasileiros.
O que fazer?
É necessário que o partido execute uma guinada estratégica imediata, sob o risco de desaparecer, para uma nova base de atuação política, eleitoral, comunicativa, ideológica e organizativa. Se o sistema político decadente nos nega as bases para uma estrutura partidária capaz de sustentar nosso destino histórico, precisamos voltar ao centro da questão política: a base.
O campo político que se orgulha de descender das mais variadas experiências socialistas, das utópicas as científicas, precisa resgatar a centralidade dessas experiências ao não recorrer somente às armas tradicionais da política para se manter vivo quando encurralado. Se nos negam recursos, se escondem a capacidade financeira de fazer política atrás de emendas e orçamentos secretos, se desmontam nosso alcance nas redes e criam novos polos de educação política, devemos responder não com uma morte honrada em nossas tradições republicanas, mas com uma adaptação rápida e decisiva as armas dos novos tempos.
Nosso caminho
É preciso que o Partido converta seus recursos, quadros e esforços na criação de uma estrutura interna moderna, dinâmica e responsiva as demandas populares e dos agentes políticos. Além disso, é necessário utilizar das atuais oportunidades no sistema de financiamento e desenvolvimento de projetos e programas sociais para a instrumentalização de oportunidades que auxiliem no desenvolvimento do partido e seus resultados políticos e eleitorais, passando pela preservação da ordem republicana.
Para se tornar um partido verdadeiramente popular, capaz de executar projetos sociais dos mais complexos aos mais simples, nosso caminho deve se focar em três pilares fundamentais: formação, estratégia e tecnologia.
Na formação, não basta termos a maior boa vontade em providenciar aos militantes trabalhistas as mais variadas formações, se essas não se encontram mais respaldadas na realidade social. Uma liderança pode saber todas as entrelinhas da história do Trabalhismo, ou todos os detalhes das políticas públicas mais complexas e essenciais, mas se ela não acessa os espaços de poder onde esses conhecimentos se tornam relevante, objetivamente não tem conhecimento nenhum.
Precisamos profissionalizar nossas estruturas de formação, uma excelente plataforma de cursos variados pode servir para aqueles que tem os meios para convencer a hegemonia de suas teses, mas precisamos ir além. Toda liderança de movimento tem de ser capacitada para explorar oportunidades políticas, ausências do Estado, erros de nossos adversários. E, talvez de forma ainda mais fundamental, saber as ferramentas que pode usar para explorar essas janelas de oportunidades.
É preciso um programa centralizado, planejado e apoiado de formação como o trabalhismo há muito tempo não observa. Se a única forma de conseguir realizar os projetos necessários para nosso sucesso é por ONGs, OSCIPs e emendas, é necessário que todo o partido, estados, municípios, movimentos e coordenações de núcleos possuam equipes especializadas em formar lideranças e militantes especializados na utilização dessas ferramentas. As bancadas precisam ser convencidas do projeto partidário, cotas mínimas de emendas para projetos estratégicos precisam ser estabelecidas, novos quadros precisam ser convencidos e aproximados não pelo nosso ínfimo fundo partidário, mas pelo potencial exponencial de nossa estrutura de capacitação, implementação e desenvolvimento social.
Na nossa estratégia política, os poucos recursos que nos permitem devem ser utilizados como se fossem nosso bem mais precioso. Luxos devem ser cortados não por ameaças ou imposições, mas pelo estabelecimento de uma consciência partidária e ética das mais avançadas. Os recursos devem ser investidos em programas de formação e desenvolvimento, promoção de editais sociais e de pesquisa para assuntos estratégicos, promoção em massa de canais, portais e comunicadores do Trabalhismo.
Nossas decisões políticas devem ser baseadas em estudos e reflexões profundas da realidade impactada por elas, comitês de análise, controle e desenvolvimento devem ser criados para propor soluções de projetos, formas de comunicação, captação de quadros e as mais diversas soluções. Comissões de estudo e analise devem garantir que toda energia seja produtiva aos interesses do partido e do Trabalhismo, uma vez que enfrentamos um racionamento grave demais para ações redundantes.
O grande fator nesse novo caminho é a necessidade de uma base tecnológica forte, profissional e em constante crescimento. As dimensões dos problemas que enfrentamos não são resolvíveis se não contarmos com o apoio de dados, ferramentas e informações para a tomada de nossas decisões estratégicas, como tendem a ser todas em tempos de crise.
Colocar o Trabalhismo novamente na vanguarda da tecnologia partidária não é somente uma necessidade tática e estratégica, como também é a manutenção simbólica do movimento que sempre esteve a frente das transformações e inovações ao longo da sua história. O momento atual somente nos oferece a capacidade de retomar esse rumo, entendendo que um investimento forte em infraestrutura não é um gasto, mas uma etapa essencial no processo de organização partidária em um momento de crise.
Nossos diretórios precisam estar munidos de informações ativas sobre seus filiados, novos diretórios devem conseguir se organizar dinamicamente, um sistema de tomada de decisões deve ser abastecido com dados demográficos sobre os trabalhistas e a sociedade. Nosso contato com a militância de base, tão fundamental nesse momento, deve ser facilitado e intensificado com plataformas de contato e estabelecimento de canais de informação, suporte e integração.
As ações dos Movimentos e da Nucleação devem ser sustentadas por uma robusta plataforma tecnológica, que se adeque as necessidades das pautas sociais dessas entidades. Nossas campanhas devem ser apoiadas, universalmente, por soluções de análise de resposta, mapeamento de perfil e comunicação efetiva.
Nenhuma dessas soluções é tão inovadora ou futurista, nossos adversários percebem cada vez mais que o controle político do processo de ataque as instituições e de direitização da política se dá somente a partir de uma plataforma tecnológica robusta e complexa. Devemos olhar para dentro e fora de nosso país e campo político em busca das soluções mais avançadas que transformem um paredão intransponível em uma montanha árdua, mas conquistável.
Esse tripé de decisões políticas forma a base para a construção de uma nova estratégia partidária capaz de superar os desafios do presente, reclamar a posição de destaque do Trabalhismo no cenário político brasileiro e permitir a base partidárias a capacidade de florescer e se desenvolver enquanto força viva do PDT e do Trabalhismo. Somente através da mobilização das bases, apoiadas por essa estratégia maior de organização, é que poderemos estabelecer uma frente unida para alcançar sucessos em nossa organização interna e nos próximos processos eleitorais.
A centralização do aparato de suporte e organização do Trabalhismo, junto a uma profunda ação de descentralização e capilarização das bases de nosso campo, é o caminho necessário para a superação das contradições inerentes do sistema político da Nova República. Caso contrário, veremos o Trabalhismo ser lentamente asfixiado por um sistema que nunca o quis, privado de todas as suas capacidades de ser uma força popular de transformação de realidades e criação de novas possibilidades.
O velho está morrendo, cabe a nós sermos ferramentas do novo, inventando os meios para sobreviver a tragédia que nos cerca para seguirmos sendo o fio da história brasileira.
Propostas enviadas ao 6° Congresso nacional do PDT a partir da tese “Nosso Caminho”
- Criação de uma escola de organizações sociais de interesse público, capacitando a militância para angariar recursos e organizar projetos junto ao poder público
- Criação de uma comissão nacional de capacitação e realização de projetos políticos, com o foco em identificar, articular, e desenvolver projetos políticos a partir da base e suas demandas. Realizando a conexão entre as instâncias do partido
- Estabelecimento, junto aos parlamentares federais, estaduais e municipais do partido, de uma política de cota mínima, quando possível, para as ações e projetos ligados ao PDT, desde que regularizados. Propõe-se a alíquota base de 5% das destinações de cada parlamentar
- Criação de uma comissão nacional de financiamento de projetos partidários, com uma destinação mínima de fundos para a promoção de editais para projetos sociais, articulações políticas, promoção de portais trabalhistas e promoção a pesquisas sobre áreas estratégicas
- criação, nos níveis nacional e estadual, de uma comissão de estudos, pesquisa, desenvolvimento e gestão de estratégia e crise, com a capacidade de fornecer os subsídios apropriados para a tomada de decisões do partido e a capacidade de criar comissões especializadas para assuntos específicos
- Formação de um plano nacional de modernização tecnológica das estruturas do PDT, com escopo amplo e dinâmico e orçamento necessário. Entre os objetivos deste plano deve constar: a criação de um sistema unificado de filiação e gestão partidária; uma plataforma de gestão e mobilização para os movimentos; uma plataforma de gestão e acompanhamento para os núcleos, integrada aos movimentos e diretórios; plataformas de acompanhamento de dados geográficos e sociais; plataformas de planejamento, acompanhamento e viabilização de campanhas eleitorais e projetos sociais
Excelente contribuição. Fazer a análise material da nossa realidade é o primeiro passo para apontar o futuro. Estamos juntos companheiro