Leo Lupi – jornalista e vice-presidente da FLB-AP (Rio de Janeiro).
Os resultados eleitorais devem ser encarados não com fatalismo, mas como oportunidade de reformulação para o campo progressista
Os resultados das eleições de 2024 não nos trazem grandes surpresas, mas reforçam e acentuam algumas tendências já demonstradas nos últimos pleitos. A esquerda, em que pese a vitória de Lula em 2022, segue enfrentando dificuldades de encontrar um caminho que a faça vitoriosa nas principais e maiores cidades do país, onde assistimos a uma prevalência avassaladora de eleitos do chamado “Centrão” e da direita bolsonarista. Em alguns casos, como no Rio de Janeiro, a “frente ampla” garantiu uma vitória expressiva de Eduardo Paes já no primeiro turno, dando continuidade a uma gestão que congrega diferentes forças políticas.
O discurso de esquerda, por sua vez, não tem encontrado eco nas disputas eleitorais, dando sinais de esgotamento até mesmo no Nordeste, reduto progressista nos últimos anos. Evidentemente, a dinâmica das eleições municipais é muito singular e estas não necessariamente terão influência direta sobre o pleito de 2026. O cenário não é tão ruim se pensarmos apenas em uma possível reeleição de Lula, uma vez que parte do Centrão também é base de sustentação do governo federal. No entanto, quando olhamos para além de 2026 e refletimos sobre uma agenda progressista e trabalhista para o país, encontramos um cenário altamente desafiador e repleto de interrogações.
O que é ser de esquerda, hoje, no Brasil e no mundo? Tal questionamento, que tem sido frequente nas rodas da intelectualidade e da opinião pública, revela uma desorientação coletiva diante do avanço da extrema-direita em todo o mundo, inclusive nas periferias, seja por motivos religiosos, pelas novas configurações de trabalho, a influência das redes sociais etc. A sociedade brasileira parece ter se tornado mais complexa e as velhas formas de fazer política não surtem mais efeito como antes. Vivemos um período de transição e profundas mudanças na política brasileira, em que pesem a hegemonia e influência, ainda, de atores que dominam a cena há décadas, como Lula ou a nostalgia pela ditadura militar.
Cabe bem ao atual momento a sentença histórica de Gramsci: “O velho está morrendo e o novo não pode nascer”. Assistimos ao fim de uma era pós-redemocratização e este novo tabuleiro político ainda carece de rumos, lideranças e compreensão. Quais os líderes que apontam para o futuro da esquerda brasileira? Qual a agenda que a esquerda pode defender hoje para mobilizar a grande massa de jovens e trabalhadores desiludidos com a falência do casamento entre o neoliberalismo e a social-democracia?
Urge pensarmos (e pavimentarmos) caminhos para uma sociedade que, enquanto enfrenta as dificuldades de sobrevivência do dia a dia – com saúde, habitação e transporte precários –, também se vê diante de desafios imensos para o futuro, com o agravamento das mudanças climáticas. É necessária uma agenda do campo progressista capaz de unir novamente o país. Já nos unimos pela soberania nacional nas décadas de 40 e 50, pela redemocratização nos anos 80, pelo fim da fome e da extrema-pobreza no início deste século.
É preciso uma agenda que dialogue com a maioria, sem ignorarmos, evidentemente, os movimentos sociais e as questões de raça, gênero e orientação sexual. Se o capitalismo concentra quase 25% da renda total do país nas mãos de apenas 1% da população, a esquerda precisa fazer política para os 99%. Essa é a essência do pensamento da socióloga norte-americana Nancy Fraser e se encaixa perfeitamente para o Brasil. Um bom exemplo é a repercussão gerada a partir da PEC sobre o fim da escala 6×1, proposta pela deputada federal Erika Hilton e o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho): uma pauta progressista e que rapidamente ganhou adesão nas redes sociais, mobilizando discussões e manifestações em todo o país.
O Brasil anseia por um futuro. O debate do campo progressista não pode ser apenas sobre o curtíssimo prazo ou sobre as eleições de daqui a dois anos. Qual o futuro da esquerda brasileira para daqui a uma, duas décadas? Urge pensarmos um projeto de país para os próximos, pelo menos, 50 anos. O velho está morrendo e o novo precisa nascer.