Mário Arthur Sampaio (PDT/RJ) – Mestre- História – UERJ, Doutor- Serviço Social-UFRJ; Pós- Doutor-História- UERJ
Esta intervenção vem se associar àqueles que lutam contra o mainstream acadêmico, hegemonicamente uspiano: É filiada às contribuições de Tocary Assis Bastos, Celi Regina Pinto, Alfredo Bosi, e principalmente, Luiz Roberto Targa.
Uma pergunta inicial:
Por que o Rio Grande do Sul é o berço do trabalhismo?
No Império, o Estado era patrimonial oligárquico, sob uma capa de Monarquia Constitucional, através da aliança das oligarquias rurais escravistas, unidas no enfrentamento às revoltas de escravos. Tinham sua milícia regional, a Guarda Nacional, cujos coronéis eram detentores do poder econômico e político local. O voto era censitário (eleitores- podiam votar; elegíveis- podiam votar e serem votados), e a Câmara e Senado, ocupados por proprietários rurais, grandes comerciantes e traficantes de escravos. Um sistema político de uma economia e sociedade dependentes da exportação de uma commodity refém das flutuações dos preços no mercado mundial.
Com os surtos comerciais e industriais, surge uma camada média urbana e uma pequena burguesia, não contempladas no sistema político.
Em um século XIX, marcado pelo progresso trazido pela ciência, ganha adeptos o positivismo, doutrina filosófica- fundada por Augusto Comte- republicana, evolucionista, cientificista e antiliberal.
Já no início do século XIX, ocorreu a primeira grande imigração- projeto da Imperatriz Leopoldina e de José Bonifácio, de criar na fronteira sul do Império, colônias de pequenos proprietários (alemães, principalmente), para diversificar a base social de apoio do Império, garantindo a fronteira e criando uma classe média, baseada em relações sociais e de trabalho não escravistas.
Enquanto São Paulo apresenta a mesma estrutura sócio econômica do Brasil- Latifúndio, plantation, agricultura de exportação e escravidão- o Rio Grande do Sul é marcado pelas guerras de fronteira e pela diversidade econômica e social- grandes propriedades rurais para pecuária de corte e tração, as charqueadas e as pequenas propriedades rurais, que prosperam, dando início a novas cidades. O Rio Grande do Sul produz para o mercado interno, São Paulo e o Brasil, para exportação. Em 1875, o país recebe uma segunda grande imigração (italianos).
Com a crise do sistema escravista, cresce o movimento republicano, que adquire características bem diversas:
Em São Paulo- os republicanos (PRP – Partido Republicano Paulista) defendem uma república federativa, com liberdade para cada estado contrair dívidas (autonomia administrativa, econômica e fiscal), com a continuidade da escravidão, ou emancipação a longo prazo, com indenização aos proprietários rurais.
No Rio Grande do Sul, sob a liderança de Júlio de Castilhos, o PRR (Partido Republicano Riograndense) defende o programa positivista: abolição imediata da escravidão, sem indenizações; voto livre e aberto; fim do Senado vitalício; liberdade de pensamento, expressão, reunião e associação; ensino primário laico e gratuito.
Com a desagregação do sistema escravista, cai o Império, com o golpe militar que dá início à República- na Constituinte de 1890/91, de hegemonia da oligarquia cafeeira paulista, é criada uma superestrutura de caráter liberal burguês- os Estados Unidos do Brasil- mantendo, na prática, a dominação patrimonial oligárquica, para a proteção, defesa e reprodução econômica e política das oligarquias rurais, hegemonizadas pelo eixo São Paulo –Minas Gerais.
Na Constituinte, Júlio de Castilhos, líder da bancada positivista, tenta aprovar uma lei de terras, de imposto territorial, barrada pela Comissão dos 21, responsável pela revisão e aprovação do texto. Os positivistas se opuseram à assinatura de Acordo Bilateral com os EUA, que isentava de taxa de importação os produtos agrícolas e industriais americanos, muitos deles concorrentes dos produtos nacionais similares. Os oligarcas, liberais em economia- quando interessava- aprovaram o acordo, nocivo aos nascentes industriais nacionais. Os principais responsáveis pelo texto constitucional de 1890/91 foram Prudente de Morais e Ruy Barbosa.
No Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos e o PRR promovem uma Revolução Política Burguesa, reunindo os capitais industriais, comerciais e financeiros, em aliança com camadas médias urbanas, pequena burguesia e trabalhadores, e afastam do poder a oligarquia rural (Liberais no Império, Federalistas na República), dissolvendo a sociedade gaúcha tradicional, mudando a forma de dominação: de tradicional, oligárquica -patrimonial, para racional legal -burguesa.
Em 14 de julho de 1891, é aprovada a Constituição castilhista, que aprova o regime da Ditadura Republicana:
- Executivo governa e legisla;
- O Presidente nomeia o vice;
- Legislativo fiscaliza o Orçamento de Estado;
- Permitidas reeleições, desde que alcançados ¾ dos votos válidos.
O artigo 74 da Constituição, será a base da CLT (1943).
Descontentes com a perda do poder e a exclusão da política, em 1893, os oligarcas rurais desencadeiam a Guerra Civil, isto é, a luta da oligarquia rural para manter o poder do Estado contra o novo poder do Estado burguês.
No poder, com Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, o PRR implementa um programa singular:
- Imposto territorial progressivo, recuperando terras ocupadas ilegalmente;
- Distinção entre terras públicas e privadas (única no país);
- Regularização do acesso às terras, favorecendo novos colonos;
- Isenção às manufaturas locais;
- Educação básica, laica e gratuita universal;
- Criação de escolas técnicas;
- Desenvolvimento do transporte ferroviário, hidroviário e rodoviário;
- Encampação dos portos de Porto Alegre (1913) e Rio Grande (1919), da Ferrovia Porto Alegre- Uruguaiana (1920), das minas de carvão de Gravataí;
- Estado arbitrando as relações entre capitais e capital e trabalho: direito de greve, regulamentação do trabalho das mulheres, proteção aos menores, tribunais de arbitragem de conflitos.
Na Greve Geral de 1917, reprimida nos outros estados com violência- “a questão social é um caso de polícia” (Washington Luís); “a greve de 1917 será resolvida nas patas da cavalaria” (Epitácio Pessoa) -, o governo chama as partes à negociação, promovendo o aumento de salários aos trabalhadores públicos e privados.
O PRR se apresenta como “defensor das classes conservadoras, produtoras e proletárias”.
Em suma, o poder do Estado deixa de estar a serviço da manutenção e enriquecimento de uma classe, com a confusão entre o público e o privado (patrimonialismo), para responder pelo projeto de desenvolvimento econômico, contemplando mais de uma classe, no respeito ao Direito Positivo.
É criada a Brigada Militar, para defesa do governo estadual, dissidente do pacto oligárquico nacional, no momento em que se se dissolvem as guardas nacionais estaduais, administradoras da violência, base das relações patrimoniais clientelistas.
No poder, o PRR realiza uma “revolução de cima”- uma modernização conservadora- modernização econômica aliada ao conservadorismo político (Ditadura do PRR), na passagem de uma sociedade agrária a industrial.
Nos demais estados brasileiros, os partidos republicanos eram dominados pelas oligarquias rurais, com redes de coronéis e política de clientela nas localidades.
Em São Paulo, o poder na República continua com a oligarquia do café, que hegemoniza o poder federal. Os imigrantes substituem os escravos, num regime de semiescravidão, adstritos às fazendas, dependendo em tudo da autorização do fazendeiro. A instabilidade dos preços do café, no mercado internacional, vai aumentando as dívidas da oligarquia com o Grande Complexo Cafeeiro e os bancos internacionais, e a oligarquia usando o estado brasileiro para a proteção de seus interesses privados. As empresas estrangeiras, estocando o café, passaram a controlar o mercado, internacionalizando a economia paulista.
O Estado brasileiro se equilibrava entre os interesses do capital estrangeiro e da economia agroexportadora do café.
A dominação patrimonial paulista sobre o estado brasileiro se tornava clara, com a profissão de fé liberal e promoção da intervenção do estado na economia, para salvar os interesses do café e garantir a reprodução de capitais e a expansão da riqueza do bloco agrário exportador.
As lideranças do PRR tentaram, em 1910 e 1922, criar um pacto contra a hegemonia do PRP, em aliança com o Rio de Janeiro e a oligarquia do Nordeste, mas não tiveram êxito.
Nos anos 20, com a emergência do movimento operário, o descontentamento das camadas médias e o movimento tenentista, o pacto que sustenta o estado oligárquico patrimonial brasileiro começa a fazer água. O movimento Tenentista, pedindo a verdade do voto- contra a fraude eleitoral- em 1922 e -de 1924 a 1927, com a Coluna Prestes, ajuda na derrubada da República Liberal Oligárquica.
Com a crise geral do capitalismo de 1929, a situação se torna insustentável.
Em 1930, Vargas unificou o PRR e o Rio Grande do Sul, se aliou a setores descontentes do Exército, oligarquias de Minas Gerais e do Nordeste, tenentes, setores das camadas médias, pequena burguesia e frações do proletariado, para chegar ao poder, derrotando o bloco agrário exportador.
Segundo Targa, “Vargas reproduziu a experiência positivista gaúcha ao nível nacional”. Com a Revolução de 30, inicia-se a Era Vargas.
Ao suprimir a hegemonia da oligarquia cafeeira, a Era Vargas realiza a centralização do estado, a intervenção do Estado na economia, o desenvolvimento da política social, a criação de um estado administrado racionalmente, com a criação do DASP. O estado elabora planos de desenvolvimento- instala indústrias, financia a diversificação da produção, estoca produtos agrícolas e arbitra as relações entre capitais, e capital e trabalho.
Em 26 de novembro de 1930, é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
No Estado Novo, são criadas instituições para projetar o desenvolvimento nacional:
- 1938- DASP, Conselho Nacional do Petróleo, Instituto Nacional do Mate e IBGE;
- 1939- Plano de obras públicas para a Defesa; Conselho de Águas e Energia;
- 1940- Comissão de Defesa da Economia Nacional, Instituto Nacional do Sal, Fábrica Nacional de Motores (FNM), comissão Executiva do Plano Nacional de Siderurgia;
- 1941- Companhia Nacional de Siderurgia, Instituto Nacional do Pinheiro, Comissão de Combustíveis e de Lubrificantes, Conselho Nacional de Estradas de Ferro;
- 1942- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Comissão do Vale do Rio Doce;
- 1943- CLT, Companhia nacional de Álcalis, Coordenação da Mobilização Econômica (CME), Fundação do Brasil Central, usina Siderúrgica de Volta Redonda, Serviço Social da Indústria (SESI);
- 1944- Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, Serviço Nacional do Trigo, Comissão de Planificação Econômica (CPE);
- 1945- Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC).
A partir destas instituições nacionais, as decisões são apoiadas em estudos técnicos especializados, visando a implementação de políticas de longo prazo, incorporando a prática do pensamento estratégico, por parte dos órgãos do governo.
Enfim, da teoria e da ação governativa do PRR e da Era Vargas, surgem as ideias –força da 1ª fase do Trabalhismo Brasileiro (1945-1954):
- Crítica do liberalismo econômico e político;
- Estado com indutor e regulador do desenvolvimento econômico,
- Incorporação do proletariado à sociedade.
Concluo com as palavras do artista popular- Pandeirinho- autor do samba enredo de 1956, da Estação Primeira de Mangueira: ”Salve o Estadista, idealista e realizador: Getúlio Vargas, grande presidente de valor”.