Política Econômica e Soberania Nacional – A Contrarrevolução Neoliberal e Sua Crise

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Mário Arthur Sampaio- Rio de Janeiro/RJ.

“Compreendo o Trabalhismo como o primado dos valores do trabalho, a luta contínua para aumentar a participação dos trabalhadores na riqueza social, opondo-se a toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, de classes sociais por outras classes sociais e de nações por outras nações. Desse modo, o trabalhismo expressa, fundamentalmente, as aspirações de todos os que dependem do trabalho para viver”

Leonel Brizola.

A nossa proposta tem um sentido claro de opção pelos oprimidos e marginalizados.

Carta de Lisboa, 17 de junho de 1979

Vivemos o início da crise da Contrarrevolução Neoliberal/ Financeirização = Ditadura do Capital Financeiro, que implicou na hegemonia política/ ideológica/cultural do neoliberalismo. Trata-se de uma Contrarrevolução política, na qual uma fração do grande capital assume o comando e a hegemonia sobre as outras- capital agrário, industrial, etc-capturando o comando das entidades multilaterais, saídas da 2ª.Guerra Mundial, dos Bancos Centrais dos países ocidentais, dos aparatos privados de hegemonia, dos governos e elites dirigentes- tornando a reprodução de capital na esfera financeira e a formação do capital fictício dominantes. Tudo, literalmente tudo o que se produziu nas sociedades- da “esquerda” à direita-, dos anos 80 do século XX em diante, é marcado, com suas mediações políticas, sociais, ideológicas e culturais, por este prisma.

1- A economia capitalista passa por crises periódicas – estruturais e sistêmicas -1880/90, 1913/19, 1929/34, 1973/82, 1987/ 91, 1999/2001, 2007/2009, e agora.

2-Marx demonstrou que o capital tende à centralização e concentração, substituindo trabalho vivo- trabalhadores, por trabalho morto- máquinas.

3-A concorrência faz os grandes capitalistas investirem em

tecnologia, poupando trabalho humano, gerando desemprego e diminuindo o valor dos salários, levando a queda da taxa de lucro e superprodução (produção excessiva, desemprego em massa e diminuição drástica do consumo) gerando crises cíclicas.

4-Como saída, recorre à expansão dos mercados e ao aumento da exploração de novos mercados, na periferia do sistema, para sair das crises, criando uma aristocracia operárias, com salários e condições de vida menos indignos que nos países de periferia. As contradições se avolumam.

5-A concentração e centralização da produção levam o capitalismo a uma nova fase, a imperialista, com o crescimento dos monopólios- com papel decisivo na vida econômica, a exportação de capitais, a concorrência pelos mercados mundiais, a internacionalização das relações econômicas, a subordinação dos governos aos grandes capitalistas, a militarização das sociedades capitalistas desenvolvidas, a fusão do capital bancário com o capital industrial, surgindo o capital financeiro, com a oligarquia financeira e a corrida à guerra imperialista mundial, de 1914 a 1918.

6-Já na crise econômica de 1929, eram confirmadas as teses de Marx- o livre mercado, a concentração e centralização de capitais e a total liberdade do capital financeiro, levam à crise estrutural do sistema,- e abriram espaço à reconstrução, com base em políticas anticíclicas, keynesianas, com intervenção do Estado na economia e a criação do Estado de bem-estar social -direitos sociais, salários diretos e indiretos (auxílio-alimentação, seguro-desemprego, auxílio saúde, subsídios à aquisição da casa própria) e pleno emprego, especialmente nos países escandinavos.

7-Em 1945, após a conclusão da 2ª. guerra mundial, surgida da disputa interimperialista pelo predomínio mundial, os EUA saem economicamente ilesos da guerra, hegemonizam o mundo ocidental, com Bretton Woods e contribuem, via Plano Marshall, para a reconstrução da Europa, preocupados com o avanço do campo socialista.

😯 medo do avanço do socialismo- aliado à pressão do movimento de massas, nestes países- faz surgir variações do Estado de bem-estar social na Europa, não tão bem estruturados e avançados quanto na Escandinávia.

9-A vitória da revolução de outubro, em 1917, a consolidação do socialismo na URSS soviética e a Revolução Chinesa são exemplos para os Movimentos de Libertação Nacional, nos países da periferia do capitalismo.

10- No pós-guerra, caem os impérios coloniais francês, inglês e português, com o apoio decisivo da URSS e do campo socialista.

11- Na América Latina, já nos anos 30 e 40, surgem governos antioligárquicos (Vargas, Perón, Cárdenas), portadores de um projeto nacional desenvolvimentista, depois sabotados pelos golpes de estado, patrocinados pelos EUA e burguesias locais, associadas ao capital estrangeiro, manipulando medos das camadas médias, em toda a América Latina.

12- Em 1959, Cuba é exceção, com o movimento vitorioso, optando pela via socialista.

13-Nos EUA, se consolida o complexo industrial militar, como um poder paralelo- denunciado por Eisenhower, nos anos 50 decisivo nas escolhas políticas dos governos norte-americanos.

14-O governo americano, para sustentar o apoio à intervenção na guerra da Coreia (1950-53), na Guerra do Vietnã (1955-75) e a corrida armamentista contra a URSS, com a hipertrofia do complexo industrial militar, vai produzindo gigantescos déficits públicos, desindexando, unilateralmente, o valor do dólar ao ouro, isto é, rompendo com o sistema de Bretton Woods. A URSS e a China lideram a compra de ouro de 1967 a 1971, quando os EUA declaram o que já era uma realidade, o fim da relação do valor do dólar, em relação ao ouro

15- Em 1971, diante do aumento do déficit público norte-americano, resultado do aumento dos gastos públicos- principalmente militares- o governo Nixon rompe, unilateralmente, com o padrão ouro, estabelecido em Bretton Woods, dando o calote- emitindo moeda sem lastro. Os países, mantendo suas reservas em dólares e títulos da dívida pública norte-americana, financiam esta economia, em detrimento dos seus próprios países.

16-Em paralelo, nos anos 70, o processo de construção do socialismo começa a entrar em crise- derrota na corrida armamentista, defasagem no desenvolvimento industrial, burocratização, violações da legalidade socialista.

17-No final dos anos 70, assistimos, no entanto, a crise estrutural do capital, com os seguintes fenômenos, os mais visíveis: a decadência do Estado de bem-estar social, o fracasso das tentativas terceiro mundialistas de desenvolvimento autossustentado, a falência das diversas experiências socialistas e o processo em curso da mundialização financeira do capital.

18- A crise do fordismo- confrontado com o padrão de acumulação toyotista, vindo do Japão- e da fase keynesiana, apresenta os seguintes traços essenciais:

1) queda da taxa de lucro pelo aumento dos preços da força de trabalho, resultado das lutas sociais nos anos 60 por aumento de salário e controle da produção;

2) incapacidade do padrão de acumulação taylorista/fordista de responder à retração do consumo;

3) hipertrofia da esfera financeira, que ganha relativa autonomia face aos capitais

produtivos;

4) maior concentração de capitais, graças às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas;

5) crise do estado de bem-estar social, acarretando a crise fiscal e necessidade de retração dos gastos públicos.

19-Em 1979 o Federal Reserve dos EUA, sob o então presidente Paul Volcker, aumentou acentuadamente as taxas de juros em resposta à inflação descontrolada, estabeleceu o modelo para o aperto monetário de hoje.- o choque Volcker. Os aumentos de juros de Paul Volcker destinavam-se a combater uma espiral de preço-salário, por meio do aumento do desemprego, reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores. Assim, em consequência, as expectativas inflacionárias são contidas. As altas taxas de juros desencadearam a maior queda na atividade econômica dos Estados Unidos desde a Grande Depressão; a recuperação, em consequência, levou meia década.

20-A política de Paul Volcker também repercutiu em todo o mundo, à medida que o capital fluía para os Estados Unidos, resultando em crises da dívida externa e grandes recessões econômicas que levaram a uma “década perdida” na América Latina e em outros países em desenvolvimento-Mesmo alguns dos defensores do aperto monetário e dos rápidos aumentos das taxas de juros reconhecem que essa estratégia provavelmente desencadeará uma recessão e prejudicará significativamente as vidas e os meios de subsistência de milhões em seus próprios países e em outros lugares. O Terceiro Mundo se encontrava em níveis catastróficos de dívidas com bancos comerciais e países ocidentais.

21-A aplicação do ideário neoliberal se insere no quadro mais geral da crise estrutural do capital, como resposta – a um processo de reorganização do capital e seu sistema ideológico e político de dominação- de autoria das oligarquias financeiras, com o investimento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e a flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho.

Seus elementos constitutivos foram a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos de trabalho e desmontagem do setor produtivo estatal, desempenhando um papel essencial no processo de redução dos direitos dos trabalhadores, conquistados no período do pacto fordista/ keynesiano/social-democrata Esta ofensiva do capital e do Estado contra a classe trabalhadora e seus direitos conquistados no pós-guerra, ao lado de um intenso processo reestruturação da produção e do trabalho, dota o capital do instrumento necessário para repor os patamares de expansão da acumulação anteriores.

22-Para a implementação do ideário neoliberal, contribuiu decisivamente a captura da mídia corporativa pelas oligarquias financeiras, patrocinando _com vultosos aportes financeiros_ um processo de lavagem cerebral, transformando a economia -uma ciência social- em ciência exata, e o neoliberalismo a única corrente válida. Como disse Margaret Thatcher – TINA- “There is no alternative” (Não Há Alternativa).

23- No discurso neoliberal, os responsáveis pela crise eram os sindicatos, com seu poder excessivo que estava corroendo as bases de acumulação capitalista com suas pressões por aumento de salários e por aumento de gastos sociais.

24- Com a ofensiva neoliberal e a desregulamentação dos mercados financeiros, o grande capital foi reduzindo o que investia na produção e aumentou o investimento na esfera financeira, especulando com a alta das ações e o preço dos títulos da dívida pública no mercado, ajudado pelos bancos centrais, “independentes” da sociedade, a serviço dos grandes bancos e financeiras-reduzindo o investimento na esfera produtiva, produzindo a espiral de valorização, sem lastro, na esfera financeira – financeirização.

25-Na América Latina sob a denominação de “Consenso de Washington”, se implementa o “ajuste estrutural” -abertura das economias nacionais, desregulamentação dos mercados, flexibilização dos direitos trabalhistas, privatização das empresas públicas, cortes nos gastos sociais, controle de déficit fiscal, implicando a perda da soberania das nações do Terceiro Mundo, com a articulação entre empresas transnacionais, entidades e organismos internacionais, como BIRD e o FMI e Estados centrais na imposição de políticas macro econômicas neoliberais ao Terceiro Mundo.

26- A “reestruturação econômica” visa dissolver os núcleos mais avançados da classe trabalhadora, pela via do estímulo à competitividade -substituindo o trabalho regulamentado pelo trabalho informal; o trabalho de sindicalizados pelo de não sindicalizados; de homens por mulheres e crianças, e os trabalhadores locais por migrantes para trabalho temporário. A crise fiscal dos Estados capitalistas, gerada pelo choque Volcker, reduzindo os gastos – principalmente sociais – do Estado, força o ataque contra as conquistas democráticas da classe trabalhadora.

27-A “solução neoliberal”, em suma, foi a defesa do Estado mínimo para libertar o capital dessas pressões; romper com os sindicatos, disciplinar os gastos orçamentários, restaurar a taxa de desemprego, gerar um exército industrial de reserva e reduzir os impostos sobre os rendimentos e ganhos de capital, destruição do Welfare-State, diminuição de emissão de moeda, aumento da taxa de juros, redução drástica dos impostos sobre altos rendimentos, fim do controle dos fluxos financeiros, aumento do desemprego, ataque às greves, legislação anti-sindical, corte nos gastos sociais e programa de privatização para a habitação pública, aço, eletricidade, petróleo, gás e água- transformando o que o avanço civilizatório da Humanidade transformou em direito, no retorno à condição de mercadorias.

28-Nos anos 80, 4ª. revolução industrial se caracteriza pela digitalização e automação da indústria- dos processos na indústria e nos serviços, com a robótica, as tecnologias da informação, comunicação e localização (TICL), comunicações via Internet de alta velocidade, possibilitando o controle em tempo real das operações, principalmente financeiras- e processos localizados em lugares muito distantes. A conexão, via rede, possibilita a concepção, a produção, controle de qualidade, armazenamento, expedição, gestão, utilizando pessoal altamente qualificado. Neste processo, com um número decrescente de trabalhadores, a fábrica – no setor secundário (indústrias) e terciário (serviços) – está espalhada, sem concentração de trabalhadores, logo, sem possibilidade de consciência de classe. A fábrica pode estar num continente, administrada de outro continente, com um ou dois trabalhadores no comando verificando e atuando a partir dos painéis de controle e condução das unidades. Os meios de produção, as cadeias de abastecimento e os canais de distribuição estão ligados e integrados pela rede de computadores. Os dados, obtidos em tempo real, por sensores e processados centralmente por computadores, podem projetar e produzir a partir das “necessidades” do consumidor final, produtos em pequenas quantidades, até personalizados.

29-A aplicação ocidental do toyotismo, na substituição ao fordismo, se caracteriza pela:

produção muito vinculada à demanda visando atender às exigências mais individualizadas do consumidor, ao contrário da produção em massa do fordismo; 2) trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções; 3) a produção se estrutura num processo flexível, possibilitando aos operários operar simultaneamente várias máquinas, ao contrário do fordismo; 4) princípio do “just in time”, melhor aproveitamento do tempo de produção; 5) sistema de Kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque; 6) empresas de complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, tem uma estrutura horizontalizada ao contrário da verticalidade fordista.

30- A fábrica toyotista é responsável por somente 25% da produção. A horizontalização estende-se às subcontratadas, às firmas terceirizadas, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores. Ocorre então, no processo de produção toyotista, a intensificação da exploração do trabalho e do sistema produtivo no mesmo tempo de trabalho. No toyotismo, se preserva nas empresas um número reduzido de trabalhadores mais qualificados, multifuncionais e envolvidos no seu ideário, bem como um número flutuante e flexível de trabalhadores com aumento de horas extras, de terceirizados, de temporários.

31- As repercussões das mutações no mundo do trabalho são as desregulamentações dos direitos do trabalho, fragmentação no interior da classe trabalhadora, destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil. Este processo de subproletarização, intensificado com a expansão da precarização do trabalho aumenta o fosso entre os operários estáveis e precários, reduzindo fortemente o poder dos sindicatos, historicamente vinculados aos trabalhadores estáveis e incapazes de incorporar os segmentos não estáveis da força de trabalho.

32- A reestruturação neoliberal no ocidente, gerou um capitalismo:

1)menos industrializante, mais voltado para os serviços;

2) menos voltado para a produção, mais para o setor financeiro;

3) menos contratualista e mais flexibilizado nas relações capital e trabalho;

4) calcado no fundamentalismo do mercado.

33- No Mundo do Trabalho, verifica-se o desemprego crescente no setor industrial e o crescimento do trabalho precarizado no setor de serviços.

34- A restruturação produtiva se caracteriza pela estrutura produtiva mais flexível, recorrendo à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas, às novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das células de produção, dos “times” de trabalho, dos grupos semi-autônomos, além de requerer, no plano discursivo, o “envolvimento participativo” dos trabalhadores.

35- A 4ª. revolução leva ao limite processos e tecnologias com vistas a maiores lucros, em menor espaço de tempo, na esfera financeira, e procura a utopia capitalista da fábrica (quase) sem operários e o fim da consciência e do sindicalismo de classe, usando, cada vez mais, “pessoal qualificado e flexível”, sujeito à precariedade e o desemprego, via “flexibilidade laboral”, objetivo do grande capital, com trabalhadores mais qualificados, mais baratos e com menos direitos.

36- Na Financeirização, a autonomia do setor financeiro, a capacidade intrínseca do capital monetário de delinear um movimento de valorização “autônomo” com características muito específicas, foi alçada pela globalização financeira a um grau sem precedentes na história do capitalismo. As instituições financeiras, bem como os “mercados financeiros” erguem-se como força independente, tudo podem perante os Estados (que os deixaram adquirir esta posição, quando não os ajudaram), perante as empresas de menores dimensões e perante as classes e grupos sociais despossuídos, que arcam com o peso das “exigências dos mercados” (financeiros).

37- O centro da gravidade do poder mundial se localiza nos grandes oligopólios financeiros, na alta finança, que impõe suas regras à economia. Os lucros das ações e títulos da dívida pública, que no capitalismo concorrencial eram usados na esfera produtiva, passaram a ser usados na reprodução, esfera especulativa, daí o conceito de capital fictício.

38-Na financeirização, os operadores financeiros assumem riscos, sabendo que os bancos centrais- cujos titulares- quase sempre- vieram do mercado financeiro, e para lá voltam- tudo farão para impedir que o risco sistêmico se concretize. Concretizado, tentarão diminuir os danos: o total dos montantes gastos pelos Estados, para apoiar o setor financeiro (recapitalização, compra de ativos, garantias, injeções de liquidez), isto é, depois da crise financeira de 2008, em 2008 e 2009,foi avaliado pelo FMI em 50,4% do PIB mundial.

39- Como resultado do crescimento desproporcional dos lucros financeiros, em relação aos dos lucros obtidos nas operações de caráter produtivo, a financeirização dos grupos industriais vai-lhes conferindo um caráter dúplice: são ao mesmo tempo, organizações que se identificam cada vez mais como instituições estritamente financeiras, tendo seus rendimentos “financeiros – rentistas”; por outro lado, são locais de valorização do capital produtivo. Nas grandes multinacionais, a direção financeira, que era confinada a função administrativa, de intermediária entre as necessidades das filiais e dos bancos, tornou-se determinante na otimização do fluxo de caixa a médio prazo. Muda o comportamento do grupo e faz questionar sua vocação industrial.

40- Na Mundialização financeira, se dá um grau qualitativamente maior de internacionalização do capital-libertando o capital de todos os obstáculos e levando ao limite a exploração do trabalho. A “Modernidade” significa integração ao comércio mundial, privatização, antiprotecionismo, combate à inflação, estabilização da moeda e subordinação cabal da existência social ao “mecanismo racional e objetivo do mercado”.

41- O resultado social do Neoliberalismo é a estruturação de uma sociedade dual, um verdadeiro “apartheid social”: uma minoria privilegiada e uma multidão de excluídos, trabalhadores precarizados e fragmentados. Seus direitos e prerrogativas são convertidos em “bens” ou “serviços” adquiríveis no mercado: saúde, educação e previdência deixaram de ser um direito dos cidadãos e se tornaram mercadorias intercambiadas por fornecedores e compradores à margem de qualquer estipulação política.

42- Com a vitória do neoliberalismo, as agências internacionais (FMI,BM,BIRD,BID,etc.) são capturadas pelo capital financeiro, com sua crescente intervenção, como promotores da ortodoxia financeira. Os Estados-nação, no contexto de um capital global desregulamentado e da atividade das agências internacionais dominadas pelos EUA, perdem sua soberania. O conceito de Reforma, que antes do neoliberalismo tinha uma conotação progressista de alargamento dos direitos sociais, econômicos e políticos dos subalternos, foi convertido num significante que alude a processos e transformações sociais regressivas e antidemocráticas, visando acentuar as desigualdades, a polarização econômica e social, esvaziando- de todo o seu conteúdo- as instituições democráticas.

43-A Democracia torna-se um gesto ritual carregado de efeitos ideológicos reforçadores da ilusão fetichista de igualdade e de cidadania.O poder do mercado através, da bolsa de valores, da especulação financeira é ouvido com atenção pelos governos, pois a chantagem capitalista (baixa de investimentos, fuga de capitais) força o abandono de projetos reformistas progressistas.

44-O conceito de capital fictício- investido em títulos de crédito (ações, obrigações), o qual dá aos possuidores o direito de se apropriarem regularmente de uma parte dos lucros na forma de dividendos ou de juros- e sua autonomia- na reprodução e especulação desenfreada, dá as pistas para a explicação das razões da crise do modelo neoliberal. Sendo o papel, contrapartida do capital real, o capital fictício tem um movimento especial

externo ao capital existente. Como uma mercadoria específica, ele é comprado e vendido num mercado especial — a bolsa de valores — e adquire um preço. Mas uma vez que os títulos de crédito não possuem valor [intrínseco], as flutuações no seu preço de mercado não coincidem (e isso acontece com frequência) com mudanças no capital real.

45- O preço do capital fictício é o rendimento capitalizado a ser derivado dos títulos de crédito. O capital fictício é aquele que se desenvolve na esfera financeira-conjunto de ativos financeiros cujo valor repousa sobre a capitalização de um fluxo de receitas futuras, sem ligação direta com a produção material, isto é, é resultado da valorização de ações ou títulos.

46-Os derivativos, uma forma de capital fictício e especulativo- “instrumento financeiro que tem o preço derivado” do preço de um ativo, de uma taxa de referência ou até de um índice de mercado”- valem agora 18,3 milhões de milhões de dólares em valor de “mercado”, mas têm um valor nocional de 632 milhões de milhões – cinco vezes maior que o PIB real total do mundo.

47-A hegemonia norte-americana é resultado de seu papel de vanguarda na mundialização financeira.Paralelamente a essa ampliação e incorporação/subordinação do mundo ao modo de produção capitalista, ocorre a ocidentalização do mundo, enquanto subordinação das sociedades da periferia aos parâmetros civilizatórios do centro do capitalismo.

48- Os EUA- com a sua elite governante capturada pela aliança do capital financeiro com o complexo industrial militar- ditam as regras do comércio e das finanças internacionais, através de seus posicionamentos no FMI e na OMC, impondo aos países mais fracos as políticas de liberalização e desregulamentação.

49-O Estado, no neoliberalismo, tem sua institucionalidade- corporações empresariais, transacionais, federações interestatais (OTAN, ONU), blocos regionais (MCE, NAFTA, CEI, ASEAN, MERCOSUL), organismos mundiais de política econômica (FMI, BIRD, OMC), FMI- capturada pelo capital financeiro- se torna aparato dos grandes Estados credores, das empresas e dos bancos prestamistas. Em relação às empresas transnacionais, os governos nacionais não podem- porque também foram capturados-alterar suas decisões em relação às políticas de inversão internacional.

50- A crise de 2008 se deu, na sua origem, na explosão da maior bolha de ativos- títulos do subprime- concessão de empréstimos hipotecários de alto risco – até o momento, nos EUA, entre 2007 e 2008. A crise se dá quando há um afastamento enorme do valor

realizado e do prometido, quando as promessas de liquidação lucrativa não são cumpridas por todos.

51-A crise financeira global de 2008 teve origem na economia dos EUA, avançou pelos bancos centrais e mercado financeiro internacional-mesmo com as crises, corrupção, fraudes e falências que este processo provoca – 1987-1991, 1997, 2001, 2007- também capturados pelos representantes do capital financeiro- mas seu impacto nas economias em desenvolvimento e emergentes foi muito pior, porque os investidores fugiram para a segurança dos ativos norte-americanos.

52-Os aumentos das taxas de juros nos EUA e na Europa provavelmente resultarão em crises de dívida e inadimplência, perdas significativas na produção, maior desemprego e aumentos acentuados na desigualdade e na pobreza, levando à estagnação e instabilidade econômica.

53-Nesta situação em que o capital fictício prevalece sobre o produtivo, consequência da financeirização e desindustrialização, com um défice da BC de 1 milhão de milhões de dólares, verificam-se níveis elevados de inflação e estagnação econômica. A austeridade sobre os trabalhadores e amplas massas, torna-se persistente como praticamente ocorre desde a crise de 2008.

54- Os Estados Unidos da América apresentam um declínio, que se expressam no aumento do desemprego real, da pobreza, da dívida pessoal por cidadão, do índice dos sem teto. A população carcerária é a maior do mundo. Aumentou o número de mortes por armas de fogo.

55-Desde 2008, a dívida federal triplicou atingindo agora o inconcebível montante de 34 milhões de milhões de dólares (122,3% do PIB), contudo o PIB menos que duplicou. Incluindo as dívidas dos estados e locais o total sobe para 37,7 milhões de milhões (135,4% do PIB).

56-A situação complica-se com a desdolarização em curso. A participação do dólar nas reservas globais tem uma erosão gradual nas duas últimas décadas. Em 2022, o ritmo de erosão foi 10 vezes mais rápido devido a sanções cambiais contra a Rússia. Os países que detêm Títulos do Tesouro são os grandes perdedores, a começar pelos vassalos que financiam o império, sem hipóteses de recuperar o que investiram dada a desvalorização destes Títulos. Nos EUA, o dinheiro que vai para despesas militares, segurança interna e serviços ditos de inteligência, falta para as infraestruturas degradas, escolas, saúde.

57-Surgiram novos tipos de empresas que incluem fundos de cobertura [hedge], como a Bridgewater Associates, e firmas de patrimônio privado [private equity], como a BlackRock. Os “mercados privados” controlaram 9,8 milhões de milhões de dólares em ativos em 2022.

58-Uma nova classe de monopólios, monopólios digitais-incluindo Google, Facebook/Meta e Amazon – todos sob controle total dos EUA –e sob a supervisão direta das suas agências de inteligência, controlam a arquitetura da informação de todo o mundo, exceto alguns países socialistas e nacionalistas. Esses monopólios são a base para a rápida expansão do soft power dos EUA nos últimos 20 anos, reforçando o colonialismo digital, nova face da hegemonia norte-americana.

59-Significa que o colonialismo digital entregará a um punhado de empresas – Facebook, Amazon, Netflix e Google (FANG, um acrônimo em inglês que quer dizer presa) – o poder de fornecer serviços em todo o planeta, colher dados dessa provisão e ganhos de eficiência que beneficiam o capital, mas têm um impacto negativo no trabalho e na sociedade.

60-O centro da economia mundial está mudando, com a Rússia e o Sul Global (incluindo a China) representando agora 65% do PIB mundial (medido em PPC). De 1950 até o presente, a participação dos EUA no PIB global (em PPP) caiu de 27% para 15%. O crescimento do PIB dos EUA também vem caindo há mais de cinco décadas e agora caiu para apenas cerca de 2% ao ano. Não há grandes novos mercados para onde expandir. A sua capacidade de liderar globalmente é contestada pelo sul global: o êxito do BRICS o demonstra.

61-O mundo árabe, um dos principais suportes do dólar, afastou-se do império. As pretensões da hegemonia globalista desmoronam-se. Os povos árabes descobrem que o império apenas tem trazido guerras, devastação e colocando os povos do Médio Oriente uns contra os outros, no final falhando todos os objetivos que alegadamente se propunha, desde “levar a democracia” às inconsequentes e ilusórias “Primaveras Árabes”.

62-Rússia e China se aliam em toda a Eurásia em torno de questões sobre segurança, mas não são sinais da criação de um polo alternativo ao Imperialismo ocidental-são meros sinais de defesa contra a agressão imperialista, com a Rússia sancionada buscando abrigo nos excedentes chineses e com a cautela chinesa dando algum impulso na confiança russa. Os exercícios navais russo-chineses durante o impasse do EUA-norte-coreano de 2017 e a entrada de forças russas na Ásia Ocidental, apoiada pela China, é um sinal de que eles não permitiram a dominação completa dos EUA – como tem sido o caso desde 1991 até o presente. Num primeiro momento, estão fazendo é para proteger sua soberania e a zona de influência em torno de seu território – não para competir contra o poder imperialista dos EUA em todo o mundo.

63-Na África, assiste-se ao início de uma real descolonização, com a intenção de se assumir com pleno direito nas relações internacionais e não apenas um lugar para explorar recursos baratos. A República Centro-Africana, Mali, Níger, Chad, África do Sul, iniciam o processo de libertação do neocolonialismo, estabelecendo relações preferenciais com a Rússia e a China.

64-Sob a égide da Rússia e/ou da China, desenvolve-se a Nova Rota da Seda, e novas relações à margem dos EUA como a Organização de Cooperação de Xangai, a OTSC da Rússia com os países da Ásia Central, a Comunidade Econômica Eurasiática (CEEA). O espaço do imperialismo reduz-se, os países ganham soberania: poderão no futuro fazer as

suas próprias escolhas, sem serem dirigidos ou constrangidos por forças externas.

65-A China, a Rússia- a própria Índia- internacionalizam as suas moedas no comércio internacional- e começam a criar um conjunto de instituições paralelas àquelas saídas da 2ª. guerra mundial, hegemonizadas pelos EUA e capturadas pelo capital financeiro, a partir dos anos 80 do século XX.

66-Uma formação econômico-social é síntese da combinação entre diferentes modos de produção: é necessária uma visão de totalidade quando se trata do estudo de processos históricos complexos.

67-A República Popular da China foi criada como conquista de uma revolução levada a cabo por uma ampla frente patriótica, constituindo um bloco histórico- burguesia nacional, pequena burguesia, proletariado e campesinato, sob a hegemonia do Partido Comunista Chinês. Após a derrota do grupo que comandara a Revolução Cultural, esperava-se uma inserção maior do país no mercado mundial e a constituição de um “capitalismo de Estado” nos moldes da Nova Política Econômica (NEP) implementada por Lenin na URSS.

68-Mesmo convulsivamente, em zigue-zagues e sob ampla turbulência, a China da era Mao Zedong – apesar de ainda ser um país pobre – construiu um sistema industrial básico e que serviu de trampolim às reformas que viriam. O crescimento econômico chinês, entre 1952 e 1978, foi de 6,6%a expectativa de vida aumentar de 35 anos, em 1949, para 57, em 1957, e 68, em 1981.

69-O país a adotou uma dinâmica de acumulação típica dos estados de exceção caracterizados pelo modelo soviético- o “modelo soviético”, tanto como uma dinâmica de acumulação típica de um “estado de exceção” (país sob bloqueio, sem acesso a divisas estrangeiras, menor policy space para substituição de importações e créditos externos, etc.) que redundou em uma forma particular de catching-up- o processo em que as nações em desenvolvimento buscam se aproximar do estágio de progresso técnico e nível de riqueza acumulada dessas economias mais desenvolvidas- como de utilização das vantagens do atraso.

70-As bases para o verdadeiro salto adiante pós-1978 estavam lançadas, incluindo a fundamental – ainda sob o comando de Mao Zedong: reaproximação com os EUA e Japão e sua integração ao mundo capitalista.

71-O abandono das políticas cambiais de Bretton- -Woods em 1971, pelos EUA, a crise de 1973 e a queda da taxa de lucro verificada nos países do G-7 acompanhada pelo surgimento do fenômeno da financeirização como o padrão de acumulação hegemônico foram acontecimentos aproveitados pela China. Em 1973, o país utilizou de um aporte de US$4,3 bilhões em empréstimos para adquirir maquinário moderno no Ocidente. Em 1978 já era oficial sua admissão ao sistema capitalista internacional.

72-China deveria aproveitar da revoada de cadeias produtivas provindas do G-7 em busca de menores custos de produção no sentido de promover uma ampla política de modernização e catching-up- o processo em que as nações em desenvolvimento buscam se aproximar do estágio de progresso técnico e nível de riqueza acumulada dessas economias mais desenvolvidas.

73-Dois pontos merecem lembrança para caracterizar esse período inaugurado com as reformas: 1) uma marca fundamental desse processo de integração ao mundo capitalista foi a transformação do comércio exterior em bem público, planificado e de Estado; 2) a combinação do socialismo chinês com o surgimento de formas internas de propriedade privada (nos documentos oficiais chineses se denominam: “não públicas”) e o investimento estrangeiro em larga escala nos faz concluir, diante da debacle das primeiras experiências socialistas, que na China o socialismo se reinventou através de instituições de mercado, remontando a uma política da década de 1940, implementada nas áreas liberadas e controladas pelo PCCh, de construção de um “mercado socialista organizado” capaz de ordenar a economia nacional.

74-A planificação, nesse caso, também abarca as condições pelas quais o país irá regular os investimentos estrangeiros em seu território. A dinâmica de acumulação, da qual uma de suas pontas residiu na baixa remuneração da mão de obra e o avanço do setor privado sobre serviços públicos essenciais como saúde e educação foram suficientes à abertura de um verdadeiro fosso entre ricos e pobres na China, num primeiro momento. O crescimento em profundidade do setor privado não estava sendo acompanhado por uma recolocação estratégica do Estado, gerando condições para um posterior movimento semelhante, mas por parte do setor público.

75-O setor privado cresceu em profundidade enquanto seu congênere público crescia em extensão-uma série medidas tomadas desde o final da década de 1990 pode comprovar o crescimento em extensão do setor público, entre elas: 1) o Programa de Desenvolvimento do Grande oeste, em 1999, como uma marca do salto de qualidade; 2) uma sucessão de reformas rurais destinadas a garantir, aos agricultores, direitos à terra contratada e transferência de direitos de uso; melhorar a infraestrutura rural e serviços públicos; estabelecer um novo campo socialista até 2010; e, a partir de 2003, introduzir o Novo Sistema Médico Cooperativo Rural e garantias mínimas de vida nas áreas rurais);e 3) as prioridades do pacote fiscal de US$ 596 bilhões, lançado em 2009, entre elas: habitação popular, infraestrutura rural, transporte (ferroviário, aeroportos e estradas), saúde e educação (incluindo construção de escolas e hospitais), energia e meio ambiente e inovação tecnológica.

76-Em síntese, muitas das contradições inerentes ao processo de desenvolvimento chinês foram sendo encaminhadas tanto pela via de uma recolocação estratégica do Estado que passou pelo pleno uso de poderosos instrumentos fiscais, quanto pelos choques comandados por uma nova classe trabalhadora urbana.

77-Nos anos 90, as reformas no setor público da economia chinesa, desembocando na formação de 199 Grandes Conglomerados Empresariais Estatais (GCGEs). Este processo foi acompanhado por mudanças de conteúdo no processo de planificação: de uma planificação central a uma planificação orientada ao mercado- uma resposta chinesa à sua admissão ao sistema capitalista mundial, via formação de complexos industriais estatais orientados ao mercado.

78-Em 2003, é formada a State-Owned Assets Supervision and Administration Commission of the State Council (Sasac) como uma instituição-chave do “socialismo de mercado”, voltada à administração dos ativos estatais nas principais GCEEs. Ocorre a reorientação estratégica dos ativos públicos e do aparecimento de uma nova forma

histórica de propriedade pública sob o socialismo enquanto experiência histórica iniciada em 1917.

79-A decisão estratégica, tomada no 11º Plano Quinquenal (2006-2010), de recriar um sistema nacional de tecnologia e inovação tecnológica (SNTI) cujo ecossistema, formado pelos GCEEs, conglomerados privados, sistema financeiro público e universidades, foi responsável pelo surgimento de inovações tecnológicas disruptivas, como o 5G, o big data e a inteligência artificial. Tais inovações levaram ao surgimento de novas e superiores formas de planificação econômica e, por conseguinte, da nova economia do projetamento.

80-Destaca-se a capacidade de concentração em grandes projetos, como verificado no “modelo soviético”, quanto criação de um ecossistema- aí o momento da grande inovação- no qual a propriedade pública seja o núcleo do SNTI pari passu com seu papel de cadeia de transmissão à economia real de novas capacidades não somente produtivas, mas de superação da própria anarquia do capital e instrumentalização do Estado no que tange a tomadas de decisões estratégicas de forma ágil.

81-A “Economia do Projetamento” deve ser incorporada como parte do “caminho chinês”- superando postulados dominantes, ortodoxos e heterodoxos, está na percepção de que a China adentra uma dinâmica de acumulação onde a superação de restrições dos mais variados tipos e da incorporação à economia real de novos aportes tecnológicos abriu condições tanto para elevar o grau de racionalidade sobre o processo produtivo e transformar consequentemente a economia chinesa em uma verdadeira máquina de construção de grandes bens públicos.

82-A direção do Estado chinês demonstrou imensa capacidade-via ação deliberada de seus 99 GCEEs e bancos de desenvolvimento, na execução do pacote fiscal, lançado em novembro de 2008, de US$ 586 bilhões- na capacidade de planificação e coordenação de milhares de projetos simultaneamente, algo inédito na história humana.

83-A China, ao planificar sua adesão ao mundo exterior, construiu uma economia socialista de mercado e avançou rapidamente ao posto de segunda economia do mundo ao momento em que a financeirização erodia a capacidade dos países capitalistas centrais em manter a dianteira simultaneamente ao surgimento de novos polos de poder na periferia do próprio sistema capitalista. De forma mais acelerada, após a crise financeira de 2008, ficou evidente um movimento cuja caracterização levanta possibilidades de pesquisa sobre a transformação do crescimento em extensão do setor público a um crescimento em profundidade. “O Estado avança, o setor privado retrocede” é uma caracterização de uma nova fase do desenvolvimento do setor público no país.

84-Um exemplo concreto está na elevação da participação acionária de empresas estatais em empresas privadas, estamos diante de um processo – com idas e vindas – de lenta absorção do setor privado pelo público. É impossível quantificar as diferentes formas de propriedade na China, mas pode- -se identificar não somente uma elevação da influência estatal direta, mas também do PCCh como elemento de influência sobre todo o tecido econômico do país, incluindo decisões de investimento privado. No caso chinês, essa experiência inclui controle, por parte do PCCh, cada vez mais extenso sobre formas de propriedade não públicas, controle direto sobre imensos GCEEs e dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo.

85-O socialismo foi o caminho que a China encontrou para alcançar o desenvolvimento rápido das forças produtivas fora dos esquemas geopolíticos estadunidenses, fazendo-se valer das profundas transformações na ordem internacional, racionalizando, assim, a lei/categoria do desenvolvimento desigual em proveito de seu projeto nacional. De país mais pobre do mundo à segunda potência econômica mundial, esse caminho passou pela hegemonia do PCCh, o domínio do setor público sobre a grande produção e a grande finança. A força de sua econômica planificada conseguiu manobrar as lógicas intrínsecas do “desenvolvimento desigual”, de modo a tanto gerir racionalmente o território nacional quanto gestar uma globalização alternativa.

86-Em 2017 é inaugurada a “Nova Era”, com a mudança de eixo da “contradição principal”- é imperativo controlar o crescimento desordenado do capital, combater as grandes desigualdades sociais anexas às chamadas “Três Montanhas” (os preços de residências e os custos com saúde e educação), enfrentar a crise climática e a distância em relação aos Estados Unidos, em matéria de infraestruturas de semicondutores, e ao cerco militar com o quase abandono, por parte dos EUA, da política de uma só China em relação a Taiwan.

87-O dinamismo da economia da China não deve mais ser baseado em trabalho de baixa remuneração, mas sim em melhorias da produtividade impulsionadas pela tecnologia. O relatório da Organização Mundial de Propriedade Intelectual de 2016 mostrou que, no ano anterior, a China havia apresentado o maior número de pedidos de patentes – duas vezes o número de pedidos apresentados por entidades sediadas nos EUA. A China, de fato, entrou com um terço dos pedidos de patentes em 2015. Isto sugere que a China pode desafiar a dominação dos EUA e do Ocidente sobre a estratégia de acumulação por “terceirização à distância” baseada na propriedade intelectual.

88-O socialismo, então, seria uma categoria explicativa do caso chinês, na medida em que a tomamos na sua dimensão político/ superestrutural – poder político exercido por um bloco histórico hegemonizado por um partido comunista – e econômica – a propriedade pública dos meios de produção como o núcleo da economia do país, planificação em larga escala, crescente influência do PCCh sob as decisões de investimento dos setores não públicos da economia, etc.

89-As atuais prioridades são o desenvolvimento verde, a prosperidade comum e a construção de uma nova ordem internacional, tendo a China como parte do “Sul Global”, baseada em dois princípios basilares: 1) os cinco princípios de coexistência pacífica, consolidados na Conferência Afro-Asiática de Bandung em 1955; e 2) a ideia de uma “comunidade de futuro compartilhado para a humanidade” (CFCH) s.

90-O BRICS, agora BRICS+ – é o grupo de países de mercado emergente, em relação ao seu desenvolvimento econômico, que começou reunindo BrasilRússiaÍndia e China, até que, em 14 de abril de 2011,foi admitida a África do Sul. Em 1 de janeiro de 2024EgitoEtiópiaIrãArábia Saudita e Emirados Árabes Unidos aderiram ao bloco como membros plenos, e assim mudando o nome de “BRICS” para “BRICS+. O objetivo é formar um “clube político” ou uma “aliança”, e assim converter “seu crescente poder econômico em uma maior influência geopolítica”

91-Este grupo visa criar uma rede de instituições multilaterais uma para iniciar a construção de uma alternativa ao norte Global – o Novo Banco de Desenvolvimento contra o Banco Mundial; o Acordo de Reserva de Contingência contra o FMI; a demanda por assentos permanentes para os estados dentro do BRICS no Conselho de Segurança da ONU. Fala-se de uma agência de classificação do Sul contra a hegemonia do Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s. Há também Discussões sobre outras moedas para denominar o comércio interestadual. Pelo menos convincentemente, os BRICS iniciaram uma conversa para a criação de uma nova arquitetura de segurança. Este ano a Rússia assume a presidência dos BRICS+. Até agora, mais de 30 países manifestaram interesse em estabelecer estreita cooperação com as nações BRICS- cada vez mais países, escolhem vias diferentes do mundo unipolar gerido por Washington. A grande maioria dos países ignora as sanções contra a Rússia.

92-A Esquerda mundial, sob a ditadura do pensamento único, adere ao social liberalismo de Blair e Giddens: no sul da Europa, os governos de esquerda eleitos, pressionados pelos mercados financeiros internacionais, acabaram adotando programas muito mais próximos ao neoliberal: estabilidade monetária, contenção do orçamento, concessões fiscais aos detentores de capital e abandono do pleno emprego. O governo de Gonzáles (PSOE) na Espanha implementa um programa de privatização.

93-O movimento sindical foi derrotado, caiu o número de greves, aumentou o desemprego e diminuíram os salários. Entretanto, o crescimento econômico não veio: a recuperação dos lucros foi desviada para a esfera financeira, devido à desregulamentação. O ajuste fiscal reduziu o gasto público, para canalizar recursos para o pagamento da dívida externa e para o controle da inflação. Consolidou-se uma estrutura de impostos regressiva, recaindo o principal sobre o consumo, o trabalho e o comércio, isto é, sobre o setor não proprietário do capital. Continuou a flexibilização dos contratos de trabalho. Sob a influência da mundialização do capital, se manteve a queda do rendimento do trabalho assalariado, resultado do aumento do desemprego estrutural e abertura de novos postos de trabalho em piores condições sociais. Manteve-se redistribuição da renda nacional em favor dos rendimentos rentistas, que se desenvolveu a partir de meados da década de 80.

94-O Partido Trabalhista Inglês- Labour Party- com a esquerda mediterrânea- foi vanguarda no processo de adaptação à nova ordem. Em 1994, sob o comando de Blair, modifica a cláusula 4 da constituição partidária que defendia a “propriedade coletiva dos meios de produção” para uma formulação que enfatizava “o funcionamento do mercado e o rigor da competição”, selando a vitória da economia de mercado no interior do partido. Este evento é emblemático, pois a maioria do Labour, agora New Labour, já havia desconsiderado a ideia de reverter as privatizações e a legislação anti-sindical. A Terceira Via, defendida por Blair, propõe-se como uma alternativa à socialdemocracia e ao neoliberalismo. No entanto, se identifica na prática com a continuidade do neoliberalismo, um “thatcherismo com face humana”, pois preserva o que é essencial na fase thatcherista. Nas palavras de Gordon Brown, “o Labour se transformou de um partido de trabalhadores em um partido de pequenos negociantes e empregados por conta própria”.

95-Como contraponto, realiza concessões para aliviar os piores efeitos das políticas neoliberais -políticas sociais compensatórias, previstas no Consenso de Washington: bolsa família, renda básica, etc.

96- A Fundação Ford teve- e tem- papel decisivo no financiamento e difusão, na América Latina, das teorias do “populismo”(anti-Varguismo), “totalitarismo’(anticomunismo) e ”autoritarismo”(contradição entre autoritarismo e democracia, esquecendo-se da contradição histórica entre liberalismo e democracia),

97-O PT, insuflado pelo basismo das CEBs e pelos intelectuais pós-modernos, muitos sob financiamento das fundações norte-americanas, fez tábua rasa de tudo o que foi produzido no país- e no mundo- de 1930 a 1964. O PSDB, fundado em 1987, é expressão acabada de uma “centro-esquerda” social liberal, envergonhada e em recuo, que, na primeira oportunidade, adere à agenda neoliberal tout court.

98-A ida ao 2º turno, em 1989, do candidato do PT marca o início da hegemonia do social liberalismo no interior da esquerda. Após a derrota para Collor, mesmo o discurso e a estética obreirista são abandonados, em troca do assistencialismo, apologia do 3º. Setor- totalmente funcional ao neoliberalismo, visto que as ONGs e as contratadas realizam um serviço precarizado, substituindo o Estado que, pela Constituição de 1988, deveria prover os Direitos à sociedade-, o onguismo, etc

99-Em suma, na esquerda mundial, o social liberalismo- uma derivação do neoliberalismo, exposto no Consenso de Washington (1990)- torna-se inconteste: neoliberalismo na economia; políticas sociais compensatórias e pautas identitárias, replicando a “esquerda” europeia.

100-O resultado do abandono do trabalho de massas- uma característica do social liberalismo- que vê o Povo como meros consumidores-, foi o avanço, nas comunidades populares, de um pensamento e prática fundamentalistas religiosos, a reforçar os preconceitos mais arraigados em setores das massas.

101- O erro básico de se pensar que basta garantir renda mínima e/ou bolsa família, para garantir o apoio da massa- sem política de desenvolvimento industrial nacional, combate ao capital financeiro, autonomia tecnológica, reforma agrária, educação e conscientização de base de massa, superação da dependência, Soberania Nacional- presentes no programa trabalhista, de Vargas a João Goulart e Brizola- abriu espaço para a atuação dos fundamentalistas religiosos, aliados à extrema direita, que adotaram o discurso antissistema, galvanizando grandes frações das massas desesperadas.

102-Este fenômeno mundial- decadência da esquerda social liberal, avanço da extrema-direita, que captura o discurso antissistema- é mais grave aqui, pois, na periferia do capitalismo, não há uma agenda social, dados os padrões de superexploração do trabalho, necessários à reprodução ampliada do capital na periferia do sistema.

103-No mundo, com a crise financeira de 2008- inicialmente crise dos subprime, que se espraiou em crise financeira mundial- a Contrarrevolução Neoliberal/ Financeirização= Ditadura do Capital Financeiro- não encontrou uma Esquerda capaz de enfrentar a Ditadura do Capital Financeiro.

104-A eleição, em 2002, de um Lula auto domesticado, por sua “CARTA OS BRASILEIROS”, mesmo assim não acalmou a direita. Os governos petistas não confrontaram nenhum interesse daqueles que sempre ganharam no país- denunciados pelas Reformas de Base de João Goulart. Os bancos lucraram como nunca. Lula e Dilma não fizeram reforma agrária, não taxaram os ganhos dos grandes bancos, não taxaram as grandes fortunas e heranças, não fizeram reforma urbana, não promoveram a democratização da mídia, além de compor equipes econômicas, compostas por nomes palatáveis ao mercado financeiro.

105-De positivo nos governos do PT, houve a política de ganhos salariais, a democratização do acesso à Universidade, o aumento das obras públicas em infraestrutura (se comparado ao descalabro da era FHC), as políticas sociais compensatórias, a política de cotas para os negros e outros setores marginalizados/discriminados e, para completar, a adesão ao BRICS, o que foi a gota d’água para o imperialismo. Em suma, no essencial, as políticas dos governos Lula e Dilma, não podem ser qualificadas como de esquerda, pois  são sociais- liberais

106-A tradição da esquerda no Brasil do pré-64 gerou a CLT e iniciou o processo de industrialização brasileira. Em ampla aliança com os comunistas, foi criada a Petrobrás. Leonel Brizola, um governador cercado, enfrentando críticas da “esquerda” e da direita, criou o maior e mais ambicioso modelo de educação pública no país: os CIEPs. Os sanitaristas do PCB contribuíram com o projeto de criação do SUS, de longe a maior conquista civilizacional brasileira.

107-De outro lado, o legado do social liberalismo- na junção de trotsquistas, liberais uspianos e católicos antileninistas e intelectuais pós-modernos- foi a reagrarização do país, o fim dos direitos trabalhistas, a perda da hegemonia cultural da esquerda, o torniquete austericida tornado dogma, abrindo espaço para o retorno da extrema-direita. Em suma, o fim do financiamento do SUS e da educação pública em nome do “déficit zero”. O país foi jogado de volta a República Oligárquica.

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Este post tem 2 comentários

  1. Daniel Albuquerque

    Brilhante o texto do companheiro Mário Arthur!

  2. Luiza Helena da Costa

    Obrigado, Mário Arthur pelo postagem dos textos. Vou postar com muito prazer alguns trabalhos extraído deste texto.

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