Reconhecer, redistribuir e representar: alternativas para ampliação da justiça de gênero na arena política.

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Gabrielly Santos, Cientista Política, pesquisadora de Democracia, Gênero e Representação. Presidente da JS DF, Dirigente Nacional da Juventude Socialista.

Mulheres são entendidas como sujeitas à subordinação e a violência. O desenvolvimento das relações de poder na sociedade é percebida em aspectos culturais desde que o Homo sapiens dominou os métodos agrícolas até os dias mais recentes. No Brasil, as mulheres são maioria da população, com cerca de 52% da representação, onde ocupam espaços nos mais diversos lugares, sejam profissionais, onde estão presentes no desenvolvimento científico e intelectual, como chefes de família de forma massiva na sociedade, e na atenção e no cuidado, majoritariamente conduzido pelo gênero feminino, mas ao se deparar com a repartição de poderes para que essas mulheres e sua capacidade de influência na arena política sejam exercitadas, os números preocupam. Foram alcançados avanços significativos, com a aplicação de cotas para garantia de candidaturas femininas, a criação de um fundo partidário específico para mulheres, e a ampliação representativa delas ao se filiarem a partidos políticos. Esses mecanismos foram impreteríveis para a ampliação do número de parlamentares eleitas, sendo o maior da história brasileira, mas a representação legislativa federal ainda não alcançou os ínfimos 20%.

O sistema político é a primeira barreira para a igualdade de gênero na arena. As estruturas partidárias que viabilizam e projetam mulheres para a disputa eleitoral estão, além de enrijecidas, enferrujadas. O número de filiados tem diminuído, partidos não exercem mais a formação política contínua de sua base. Mulheres não conseguem romper com as estruturas patrimonialistas e machistas que estão intrínsecas as dinâmicas internas das executivas partidárias nacionais, as que conseguem ter sua atuação limitada para não interferir na manutenção do status quo. A violência política de gênero se faz presente em cada espaço dessa estrutura antes mesmo do início do pleito eleitoral. A violência patrimonial e simbólica que os partidos exercem quanto ao financiamento de campanhas eleitorais, a falta de transparência na prestação de contas e na divisão do fundo partidário entre as candidaturas e a ausência de penalidades rígidas para fiscalizar esses processos contábeis são poucos exemplos, em uma diversidade de violências que impedem a redistribuição do poder. Ao ultrapassar essas barreiras e consolidar uma candidatura vitoriosa, a parlamentar encontra um novo modelo de subordinação e manutenção de poderes na casa legislativa que lhe foi alcançada.

A agenda política governamental é formada essencialmente por parlamentares de grande capital político. Ocupantes das presidências de comissões, relatores principais, membros da mesa diretora e líderes de blocos e partidos dão o tom do que será tratado na Casa Legislativa. Nesse locus, a sub-representação numérica de proposições legislativas e de ocupação de espaços por parte das mulheres é grande. Existe uma limitação temática implícita às tomadoras de decisão, que estigmatizam a atuação parlamentar a pautas de cuidado, desenvolvimento social e ambiental. Elas tratam de cunho social, pois o custo pessoal de ir para uma disputa social é mais baixo do que enfrentar a disputa econômica no meio dos homens, chegou a hora de repensar o modelo.

As políticas de ampliação da participação de mulheres na política se mostraram insuficientes para solucionar as demandas institucionais que essa falha representativa traz. Chegar à arena é diferente de manipular o poder de decisão. Apesar dos avanços já mencionados, a ocupação de espaço de poder continua o mesmo. O Congresso Nacional permanece sem ter eleito nenhuma mulher para presidir as Casas, o Supremo Tribunal Federal retroage ao retornar ao quadro de apenas uma ministra mulher entre os onze magistrados, o Senado Federal até 2015 não garantia sequer que sua parlamentar pudesse utilizar um banheiro feminino no plenário. Estimular o poder de decisão das mulheres na arena é o primeiro passo, e deve começar pelos partidos políticos. Uma reforma na legislação partidária se faz indispensável. Nancy Fraser cita em sua obra que não existe justiça de gênero sem redistribuição, reconhecimento e representação, nesse sentido, a primeira regra a ser modificada para exercitar uma democracia de gênero na política brasileira é com o fim da anistia dos partidos que descumprem as regras eleitorais quanto a distribuição de recursos para candidaturas femininas. Pela terceira vez está em pauta esse pedido, validá-lo é reafirmar que as estruturas políticas não querem que as mulheres ocupem o poder e que não há comprometimento institucional em fazer as leis terem validade.

O ambiente político masculino traz em sua atuação um respeito excludente às mulheres na disputa. Homens se reúnem em “old boys clubs”, espaços de convivência privada, geralmente em ambientes noturnos, jantares, bares, onde articulam e negociam a política. A eles não é cobrado a atenção aos filhos e a família para cumprirem seus objetivos profissionais, a cultura tradicional de gênero os privilegia com o ócio criativo. Os mesmos reforços de gênero impedem que mulheres participem desses ambientes e não conheçam as estratégias masculinas de articulação política. A política deve ser um lugar menos aversivo às mulheres, isso se dará inicialmente a partir de uma reforma radical dos partidos políticos para garantir o reconhecimento das mulheres na estrutura organizacional e maior capacidade de influência na chegada dos processos eleitorais, contudo, mais importante que a reforma, é o estímulo a mecanismos de permanência de mulheres no processo político, com ambientes familiarmente amigáveis, a disponibilização de brinquedotecas ou espaços infantis nos diretórios partidários, o oferecimento de auxílio-creche durante o período eleitoral, disponibilização de creches noturnas para que mães candidatas participem de jantares e eventos políticos, que tenham garantida também a acessibilidade para poderem estar com seus filhos durante o pleito com a garantia de fraldários, salas de amamentação, nos diretórios partidários e nas instituições políticas.

Romper com a violência patrimonial é essencial nas estruturas partidárias. Uma prestação de contas eficiente do que é destinado em Lei Federal acerca da aplicação dos 5% de Fundo Partidário à formação política de mulheres é relevante para garantir qualitativamente um processo de ampliação desse recurso, haja vista que mulheres estão em diversas frentes, não apenas nas pautas relacionadas a mulheres. A divisão do fundo partidário de 30% para candidaturas femininas é um processo contábil que necessita de uma rígida prestação de contas e estímulo constante do exercício da transparência do uso desses recursos. Outrora, há de se mencionar que é urgente aos partidos estabelecerem critérios objetivos para a divisão do fundo partidário, haja vista que candidaturas femininas proporcionalmente ganham e arrecadam menos recursos de campanha, e o dinheiro equivale a um bom desempenho eleitoral. A partir de uma reforma estruturante, será possível que haja revezamento de cadeiras nas executivas partidárias, nas lideranças e presidências de comissões das Casas Legislativas, além do estabelecimento de bancadas femininas internas aos partidos como grupos de pressão. Mecanismos como esse ampliam a representação e a democracia nas estruturas institucionais e validam a redistribuição de poder e a capacidade de influir na agenda política governamental.

As propostas mencionadas estimulam o desenvolvimento de um novo entendimento político, a partir da maior representação de mulheres e da redistribuição de poder negligenciado a elas nas instituições. O último pilar das alternativas para alcance da justiça de gênero se consolida no mais importante para modificar conceitos predefinidos sobre os papéis de subordinação, o reconhecimento. É necessária uma mudança decisiva na cultura de reconhecimento das mulheres na sociedade, responsáveis pelo cuidado familiar, profissional, afetivo e social, valorizando os mais diversos aspectos do trabalho feminino. Politicamente, isso se dará a partir de uma mudança radical na Lei de Cotas para candidaturas femininas. Essa lei é uma medida provisória de representação, que parte do pressuposto que as condições de ingresso são iguais a todos os partidos, o que é comprovadamente equivocado. Uma nova lei de cotas garantiria obrigatoriamente 30% no número de cadeiras no legislativo, além da lógica ampliação do número de candidaturas femininas para efetiva representatividade, progressivamente, a cada legislatura esse percentual se ampliaria até atingir os 50% de cadeiras legislativas ocupadas por mulheres. 

Conforme a lei atual, levarão 120 anos para o Brasil alcançar justiça de gênero na política, os países latino-americanos em média estão mais desenvolvidos e sem a necessidade de apresentar legislações vinculadas a políticas de cotas. Reconhecer a deficiência representativa da política brasileira é reconhecer a necessidade de refundar o vínculo democrático. Para isso, é essencial que a maioria da população brasileira esteja representada não apenas como espectadoras, mas sim como sujeitas e protagonistas do poder, da manipulação, da influência e do exercício democrático. Pauta feminina é a mulher no espaço de decisão.

Ensaio desenvolvido como trabalho final da matéria de Gênero, Poder e Representação Política do Mestrado Profissional da Câmara dos Deputados.

Este post tem um comentário

  1. Victor Leal

    Debate essencial para radicalizar a democracia e promover a real inclusão feminina! Esperamos que o PDT mais uma vez seja vanguarda e implante as mudanças internamente

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