RE-PENSAR A RELAÇÃO ENTRE O MARXISMO-LENINISMO E O TRABALHISMO

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Brizola e Prestes em comício - Trabalhismo e Socialismo - Imagem de destaque

Breno Frossard, Presidente da Juventude Socialista de Novo Hamburgo – RS e Presidente de Honra do Núcleo de Base Ação Popular Revolucionária

INTRODUÇÃO:

O PDT nunca foi um espaço teoricamente unanime. Afinal, toda unanimidade no pensamento político de um partido democrático é ruim. Vânia Bambirra, alega que:

“Nosso Partido jamais tratou de erigir uma fórmula rígida ou um pretenso ”modelo” de socialismo. Ao contrário, como um partido de massas, nacional e popular, abrigou em seu seio vertentes das mais diversas correntes de pensamento e de ação que se formaram no curso das lutas pelas grandes causas sociais e pelas profundas reformas de base. Assim, convergiram em função de objetivos maiores, trabalhistas, nacionalistas, progressistas, socialistas, comunistas, eurocomunistas, social-democratas, marxistas, brizolistas, etc. (até mesmo oportunistas que pronto foram ou serão expurgados pela sua incompatibilidade congênita de conviver em nosso meio).”

Hoje nos parece difícil que tantas correntes que hoje sequer mantém uma linha de diálogo tenham se unido em torno do mesmo projeto político. Brizola conseguiu fazer no PDT o que muitos grupos políticos ao redor do mundo não fizeram, que é a união dos setores progressistas e nacionais em torno de um mesmo partido. 

O movimento marxista no PDT já foi muito forte e venceu muitas disputas internas. Mas uma das disputas mais interessantes entre os marxistas e moderados no PDT é uma derrota da ala marxista. Essa disputa foi o debate se o PDT deveria participar ou não da democracia burguesa, os marxistas temiam que essa participação poderia legitima-la. Ficou definido que sim, o PDT participaria da democracia burguesa, não como forma de legitima-la, pois essa é essencialmente ilegítima, mas como meio de se opor a ela e controla-la pelos meios parlamentares.

Após a morte de Brizola os movimentos marxistas dentro do PDT se silenciaram e se enfraqueceram. O final do ano de 2020 marca a volta desse movimento dentro do PDT: o Núcleo Popular Revolucionário (NPR), atual Ação Popular Revolucionária (APR), surge unindo os marxistas históricos, que em sua maioria optaram por se afastar do debate interno, e uma nova geração, advinda da juventude, que enxergava o quão revolucionário era o trabalhismo no Brasil.

Especialmente no que diz respeito a postura dos marxistas da década de 70 e 80, que defendiam a posição de não compor a democracia burguesa brasileira, a APR, como representante da corrente política daqueles homens e mulheres que enxergavam o marxismo como saída para o Brasil, buscou uma autocrítica em relação a essa posição. A participação do PDT na democracia burguesa se faz completamente necessária na conjuntura atual.

Desde a fundação da APR, muitos quadros sociais-democratas e trabalhistas enxergaram com bons olhos o restabelecimento dessa corrente política no PDT, entretanto, outros quadros apresentaram comportamento hostil em relação ao tema. Por isso, essa tese se faz necessária: como o trabalhismo brasileiro conversa com o marxismo-leninismo e como manter o PDT um espaço plural e democrático?

O TRABALHISMO BRASILEIRO, PASQUALINI E A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

Recentemente, os ânimos dos nossos partidários nas redes sociais se exaltaram após um vídeo da Central do Trabalhismo que debateu sobre a necessidade ou não de superar Pasqualini. Aqueles que se puseram contra, alegam que Pasqualini é o grande idealizador do trabalhismo brasileiro, sendo herdeiro da Doutrina Social da Igreja.

Primeiramente, precisamos entender, o que os teóricos que reivindicam o marxismo-leninismo querem dizer com superar Pasqualini, seria isso uma tentativa de negar a participação de um teórico tão importante ao pensamento Trabalhista Brasileiro? De antemão, adianto que não. Para marxistas-leninistas, a superação dialética, é um processo de fazer uma adaptação mais complexa daqueles ideais a realidade a qual se vive. O marxismo, surge como uma superação dialética das correntes socialistas anteriores, como o Socialismo Utópico e o Socialismo Eclético. O marxismo-leninismo, surge como uma superação do marxismo, isso quer dizer que o marxismo-leninismo nega o marxismo? Muito pelo contrário! O marxismo-leninismo aproveita o melhor do marxismo e atualiza sua teoria, abordando temas que o marxismo anterior não abordou e superando temas que já não se encaixam no debate político de sua época. O próprio marxismo-leninismo quando vai à China e a Coréia, como por exemplo, é superado pelo Maoísmo e pela ideia Juche.

Quando propomos superar Pasqualini, ou até a DSI, não é porque achamos que essas ideias são invalidas, e sim que em alguns espaços é impossível aplicá-las. Eu ainda vou mais a fundo: o Brizolismo já é uma superação dialética do Pasqualinismo. A tese denominada “”Nenhuma criança sem escola”: a influência do protestantismo nas políticas educacionais de Leonel Brizola”, estuda a fundo a trajetória política, religiosa e educacional de Brizola, e afirma que as teses trabalhistas de Brizola devem enormemente ao protestantismo, sobretudo ao luteranismo e metodismo, muito mais que a própria Doutrina Social da Igreja.

Também é importante frisar que quando Pasqualini utilizou da doutrina social da igreja, isso na década de 50, o Brasil era um país 94% católico. Hoje, os índices apontam para cerca de 50% católico e prevê-se que em dez anos o país será majoritariamente evangélico. Será que as teorias papistas escritas no final do século IXX ainda respondem aos problemas da realidade brasileira?

Outro comum argumento é o Trabalhismo ser idealista e, como herdeiro da DSI, católico, enquanto o marxismo é materialista e ateu. AINDA que isso se refletisse atualmente, é importante esclarecer que o materialismo marxista não é materialista numa esfera religiosa, e sim política, quem afirma isso não sou eu, e sim Engels:

“De acordo com a concepção materialista da história, a razão determinante em última instância da história é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos mais do que isso.”

É inegável que um ou outro regime marxista tenha definido o estado como ateu, mas do mesmo modo, muitos marxistas contaram com apoio da igreja na revolução e em seus governos, vide:

“10 mil vezes mais coincidências entre o cristianismo e o comunismo do que as que poderiam haver com o capitalismo. Não vamos criar divisões entre os homens. Cada um que tenha sua posição, que tenha sua crença”. 

Fidel Castro

“Só no socialismo é possível acabar com a pobreza. O cristianismo é socialismo. O capitalismo é o contrário, é disso que deveríamos ter medo. O capitalismo é o reino da desigualdade […] as revoluções latino-americanas devem tanto a teologia da libertação quanto ao marxismo.”

Hugo Chávez

“Minha iniciação ao Marxismo-Leninismo se deu através da Igreja, quando meu avô (pastor) me apresentou ao Cristianismo”

Kim Il Sung

A Doutrina Social da Igreja, hoje, sequer é unanime dentre os membros e os cleros da Igreja Católica Apostólica Romana. A Teologia Da Libertação, que surge e se populariza no clero e no catolicismo popular na década de 60, afirma que a DSI faz uma boa análise da relação entre operários e trabalhadores, entretanto falha ao apontar uma solução para essa relação, afirmando a dificuldade de conciliar o capital e o trabalho.

O MARXISMO-LENINISMO: ENTRE O ESQUERDISMO E A REVOLUÇÃO

O movimento marxista-leninista do Brasil, ao longo de sua história, possuiu e segue havendo momentos de extrema contradição política. O PCB fundado em 1922, possuiu ótimos quadros que se aliaram ao movimento tenentista. O erro começa quando é oferecido ao PCB o comando da revolução de 30. Talvez ali uma grande oportunidade de tomar a frente de um processo revolucionário no Brasil e iniciar uma grande transformação rumo a uma sociedade sem classes. Quadros como Astrojildo Pereira e Octavio Brandão prontamente optaram pela adesão do PCB à revolução, mas o Partido Comunista Argentino, denunciou a postura do PCB frente ao apoio a revolução de 30 como “menchevique” e um “claro desvio direitista” o que levou a Internacional Comunista a depor a direção do PCB, que não resistiu e acatou a decisão da III Internacional. Posteriormente a Internacional realizaria uma autocrítica sobre isso, mas já seria tarde.

Eu sempre gosto de lembrar, e quem já leu outros textos meus ou assistiu algum vídeo sabe, que no mundo todo, apenas dois partidos comunistas clássicos não dependeram da Internacional ou de Moscou para serem fundados: o Partido Comunista do Brasil (PCB) e o Partido Comunista do Japão (PCJ). Além disso, os dois foram os únicos PC’s advindos do anarco-sindicalismo e não da Social-Democracia, o que torna justo compararmos os dois partidos. 

Não falo isso por falar, e sim para levantar uma importante crítica: se o PCB surgiu não pela internacional, mas apesar dela, por que o partido não resistiu a intervenção da Internacional em 28? Imagine o efeito borboleta de ali, naquele momento o “pré-trabalhismo” (pois ainda não tinha sido desenvolvido como ideologia) e o marxismo-leninismo nacionalizado a realidade brasileira, marchando juntos rumo a uma vitoriosa revolução. Ser materialista é entender que não podemos idealizar como seria, mas quem não fica ao menos com uma pulga atrás da orelha de como teria sido?

Ainda sobre o PCJ, no pós-guerra, após os EUA invadirem o Japão e o proibirem de ter forças armadas e o proibirem de ter sua soberania, o PCJ buscou formar uma frente parlamentar com sociais-democratas, nacionalistas e outras correntes políticas, a fim de garantir sua soberania. Antes de qualquer revolução socialista, era preciso garantir que o Japão fosse um país autônomo e soberano, e não uma colônia. Obviamente isso irritou tanto os chineses, liderados pelo PCCh (Partido Comunista da China) quanto o PCUS (Partido Comnunista da União Soviética). 

Os dois partidos tentaram interferir na linha do PCJ e depor seus dirigentes, mas a massa de filiados não acatou a deposição, e nas eleições seguintes o resultado veio: O PCJ obteve cerca de 30 assentos na dieta nacional, se tornando o segundo maior partido do Japão e principal rival da instalação de bases dos EUA no país. Na dieta e aliado a frente, agora liderada pelos comunistas, eles conseguiram depor o primeiro-ministro, este que não era japonês e sequer tinha qualquer relação com o Japão, era apenas um general indicado pelos EUA, e barrou medidas que tornariam o Japão uma colônia ainda mais dependente. 

Agora ficam algumas sinceras perguntas. Como o PCJ teria contribuído mais para garantir a independência de seu país: indo a uma luta armada aonde provavelmente perderiam, pois não era um partido grande, para agradar os chineses e soviéticos que não compreendiam a complexidade de seu país, ou nacionalizando o marxismo-leninismo, aplicando as condições materiais do seu país para tornar o Partido Comunista Japonês como um instrumento eleitoral em defesa da classe trabalhadora e de sua nação? 

E agora, voltando ao Brasil, como o PCB da década de 30 teria contribuído mais ao projeto socialista no Brasil? Apoiando a vitoriosa revolução de 30 e assumindo uma revolução em uma frente com setores trabalhistas e nacionalistas ou rejeitando o convite e tentando um levante contra o governo popular de Getúlio Vargas?

Basta compararmos hoje a relevância do comunismo nos dois países: 

O PCJ hoje é o maior partido de esquerda do Japão, o maior partido comunista não-governante do mundo e lidera uma frente com partidos sociais-democratas e nacionalistas. O PCB, não conseguiu sequer 10 assentos no parlamento em sua história e passou por sucessivos rachas até que em 91 teve seu caixão fechado pelo PPS e se tornou um partido sem relevância política.

Com a deposição de Astrojildo Pereira em 28, ele ficou mais certo do que nunca na sua ideia: é preciso que o Marxismo-Leninismo seja nacionalizado e superado dialeticamente para ser aplicado a realidade do Brasil, e não falo isso só pelo Japão. Toda revolução vitoriosa passou por isso.

Também é importante enfatizar que o momento de maior evolução teórica, política e eleitoral do PCB se deram durante os momentos em que se aliou com o PTB.

O PCB e o movimento comunista como um todo, inclusive outros partidos, salvo algumas exceções, nunca compraram a ideia de nacionalizar o Marxismo-Leninismo, e foi justamente o que levou a grande hostilidade com os trabalhistas, sobretudo atualmente. Há um tempo atrás, até era comum observarmos os comunistas chamarem Vargas de fascista, o que já considerávamos um grande erro. Hoje, existem micro-partidos que chegam a colocar o próprio Trabalhismo, Brizola e afins como fascistas em suas formações políticas. 

E agora, não só eu, como toda a Ação Popular Revolucionária, estou estudando e revendo algumas posições de Astrojildo Pereira, Nelson Werneck Sodré, Darcy Ribeiro, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos e até o próprio Luís Carlos Prestes, para mais do que nunca iniciar o processo de nacionalização do marxismo-leninismo como tese.

A negação dos “Marxistas-Leninistas” em relação à necessidade de nacionalizar o comunismo, é o que Lenin chamaria de esquerdismo.

Conclusão

Diante dos desafios que o Brasil enfrenta, Trabalhistas e Marxistas-Leninistas têm a responsabilidade histórica de unir forças e construir uma frente de libertação nacional. Essa frente deve se basear nos princípios fundamentais da defesa da soberania nacional, da justiça social, da democracia popular e da distribuição justa da riqueza.

O PDT e a APR, como espaços políticos de tradição e compromisso com a luta pela emancipação do povo brasileiro, podem ser os pilares dessa frente. Através do diálogo franco e construtivo, trabalhistas e Marxistas-Leninistas podem superar suas diferenças e construir um projeto político comum que mobilize a classe trabalhadora e o povo brasileiro em prol de um futuro mais justo e próspero.

Chegou o momento de transcender as divergências do passado e construir uma nova unidade, baseada na luta por um Brasil livre, soberano e socialista. A frente de libertação nacional que propomos é um chamado à ação, um convite para que Trabalhistas e Marxistas-Leninistas se unam em torno de um projeto político que coloque os interesses do povo brasileiro em primeiro lugar.

Juntos, podemos construir um Brasil novo, onde a justiça social, a democracia e a liberdade sejam realidades para todos.

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