Este ato de meu reingresso no PDT é o fruto de uma longa reflexão e de uma convicção íntima e forte. Para explicar esses gestos, direi duas palavras: uma a respeito de como entendo o perfil político e programático do partido. E a segunda a respeito de nossa tarefa para o país.
O que distingue o PDT historicamente e orienta o seu rumo é a combinação de cinco compromissos:
O primeiro compromisso é o de recusar-se a ter como base apenas a minoria organizada do país; a minoria organizada da classe média e a minoria organizada dos trabalhadores. A maioria do povo brasileiro continua desorganizada. É ali que está a esfinge do país. Nunca, em qualquer momento de sua história, do PDT se afastou do compromisso com essa esfinge. A base social do PDT não é a minoria organizada; é a Nação toda.
O segundo compromisso que distingue o PDT é a perspectiva nacional. A prioridade do tema nacional sobre todos os outros temas programáticos.A esquerda de que a direita gosta não quer saber de compromisso nacional. O primeiríssimo tema do PDT, historicamente, é a afirmação nacional. Sem afirmação nacional não há salvação nacional, e sem rebeldia nacional não há afirmação nacional. Rebeldia nacional: esse é o primeiro compromisso programático do partido. E, portanto, o nosso maior antagonista é a mentalidade colonial. O colonialismo mental, que prevalece nas elites de nosso país.
O terceiro compromisso que distingue o PDT é o compromisso com a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre o s interesses do rentismo financeiro. Não há de ser por uma rendição aos bancos e aos mercados financeiros que levantaremos o país. Hoje a ameaça aos trabalhadores brasileiros toma uma nova forma. Uma parte crescente da força de trabalho do país está sendo precarizada. O Brasil não pode avançar apostando em salário aviltado, em trabalho barato e em mão de obra precarizada. Esse é o terceiro compromisso. Queremos uma estratégia de desenvolvimento que afirme os interesses do trabalho e da produção e subordine os interesses financeiros.
O quarto compromisso programático que distingue o PDT é o compromisso com a educação. A educação como o instrumento libertador do povo brasileiro. Não é apenas construir escola e ampliar a rede escolar. É produzir uma revolução educacional no Brasil. Substituir o que temos de decoreba e enciclopedismo raso, por uma educação analítica e capacitadora. Que dê olhos, asas e braços à genialidade suprimida da Nação. E, para isso, precisamos desenhar a cooperação dentro da federação; o jeito de governo central trabalhar com os estados e os municípios. Uma transformação radical do ensino no Brasil é a condição indispensável para levantar o povo brasileiro.
E o quinto compromisso que distingue historicamente o PDT é o compromisso de tratar cada brasileiro como cidadão e agente; como co-autor de um projeto do país e não apenas como o beneficiário de projetos compensatórios. É claro que a massa pobre do país tem de ser assegurada em mínimos indispensáveis à sua sobrevivência e à sua cidadania. Mas não basta. Não basta cooptá-los, é preciso empoderá-los. E empoderamento significa aprofundamento da democracia brasileira e uma política social destinada à capacitar a massa pobre do país e não apenas a aplacá-la ou a pacificá-la. Esse é o perfil programático do partido. Indicado pela sua história e orientador de seu rumo.
Agora direi uma segunda palavra à respeito de como entendo nossa tarefa. Há uma preliminar. Há uma preliminar à execução dessa tarefa. A preliminar é lutar pela continuidade constitucional. Não há salvamento fora da lei e da Constituição. E o que fazemos hoje para defender a continuidade constitucional é simplesmente a versão presente do que foi no passado a campanha da Legalidade. Assentada essa preliminar, entendo que temos três tarefas:
A primeira tarefa é formar um ideário. Um ideário nacional, que indique a nova estratégia de desenvolvimento do país. Ideias sozinhas não mudam o mundo. Mas sem ideias é impossível mudar o mundo. O Brasil, no último período histórico, seguiu uma estratégia de desenvolvimento baseada em comodities de produção primária e consumo. Foi uma espécie de nacional consumismo.
As circunstâncias do mundo moderno mudaram e essa estratégia está liquidada. O perigo é que, diante da inviabilização dessa estratégia, um governo com intenções progressistas fique de joelhos e se renda aos mercados financeiros, O que nós precisamos construir no Brasil agora é uma estratégia baseada em oportunidades e capacitações. Numa democratização radical das oportunidades econômicas e das capacitações educacionais. Este é o caminho e, portanto, formular esse ideário é nossa primeira tarefa.
Nossa segunda tarefa é não nos cingir a uma atividade meramente eleitoral. É formar quadros. É atuar dentro da sociedade civil e nas organizações sociais. É lutar por uma ascendência intelectual que se contraponha a um colonialismo mental. Não podemos limitar a atividade partidária a disputar cargos e eleições. Temos que disputar o ideário dominante na sociedade brasileira.
A terceira tarefa é lutar pelo poder. E lutar pelo poder central. Há candidaturas ou pré-candidaturas inteiramente legítimas dentro do partido. Sem qualquer autoridade a não ser a autoridade de cidadão militante. Eu pretendo lutar dentro do partido pela candidatura de Ciro Gomes. E entendo que por meio da candidatura de Ciro Gomes temos uma chance real de ganhar o poder. As circunstâncias são extraordinariamente propícias a essa candidatura. Foram muitas tentativas frustradas no passado. Muitas candidaturas. As candidaturas de Brizola e as candidaturas do próprio Ciro, que Brizola e o PDT apoiaram. Foi assim: seis vezes circundamos as muralhas e seis vezes entoamos o clarim e seis vezes os hierarcas zombaram de nós e as muralhas continuaram incólumes. Mas na sétima vez, as muralhas caem.
Nesses últimos anos, o povo brasileiro se deixou desrespeitar. Como beneficiários e vítima de uma lógica de cooptação. Para persistir na lógica da cooptação, não existe mais sequer o dinheiro necessário. Agora a obra é substituir a lógica da cooptação pela prática do empoderamento, por atos sucessivos de despojamento desse assombro e devoção, tratemos de abrir um outro caminho para o povo brasileiro. Agora, agora, agora!
Mangabeira Unger