Brizola ‘fala’ do pedido de impeachment de Dilma, por Marceu Vieira

O cronista digital revisitou o arquivo particular do tempo em que atuava como repórter político, sobretudo no “Jornal do Brasil”, e, levado por uma alucinação, reentrevistou Leonel Brizola (1922-2004), o velho trabalhista gaúcho, governador do Rio Grande do Sul uma vez, do Rio de Janeiro duas. No armário reaberto de sua memória, Brizola disse a ele o que pensa do pedido de impeachment de Dilma, das infelicidades do PT, do protagonismo de Eduardo Cunha, de Michel Temer, de Aécio Neves, do juiz Sérgio Moro, do PMDB, da TV Globo, da imprensa em geral, das manifestações pró e contra o governo, do “Big Brother Brasil”, da seleção do Dunga, da novela das oito e de mais um pouco de um pouco mais.

Governador, o senhor tem acompanhado o atual momento do Brasil?

Veja. Devo te dizer que tenho acompanhado com muita preocupação tudo isso que aí está. A rigor, o que se está tentando construir, hoje, no Brasil, é um golpe.

Juristas renomados têm lembrado que o impeachment é previsto na Constituição. Por que, então, seria um golpe?

São vozes contaminadas por conveniências de certos grupos políticos. Pergunte a esses juristas em quem eles votaram em 2014. Veja bem. A presidente Dilma foi eleita com 54,5 milhões de votos. Tirá-la do poder só porque não gostam dela, isso não é um golpe? Aí vem a TV Globo com seus porta-vozes e diz: “Ah, não, não é golpe, não, porque o impeachment está previsto na Constituição.” Mas o que há, de fato, contra Dilma? A rigor, francamente, não há nada! Então, tirá-la é golpe.

O senhor continua em combate com a TV Globo, mesmo daí?

Não diria isso. Depois da minha morte, eles lá me deram uma trégua. Já haviam me dado antes um pouco. Os velhos e os mortos costumam ser contemplados com esses favores, não é verdade? São os favores da idade e, agora eu sei, também os da morte. Mas compreendo que este momento vivido pela presidente Dilma é muito parecido com aqueles dias de perseguição implacável que sofri deste império Globo. A Globo, honestamente, com todos os seus tentáculos, parece cumprir o último quarto de hora de seu domínio. Daqui onde estou, vejo grandes mudanças à vista. Grandes mudanças. Os impérios, todos eles, nascem, prosperam e fenecem. A História tem muitos exemplos.

O senhor não acha que…

Deixe-me concluir. Então, se a Globo diz que não é golpe, só porque ela diz, o povo brasileiro deve acreditar? É como eu sempre disse. Tem rabo de jacaré, tem dente de jacaré, olho de jacaré, cabeça de jacaré, couro de jacaré… mas não é jacaré?! Veja, não conversei com o Roberto Marinho. Porque, também aqui, procuramos nos evitar. É ele lá e eu cá. Mas posso assegurar que nem o Roberto Marinho, nem ele deixaria de classificar este ajuntamento de forças contra um governo democraticamente eleito como uma tentativa de golpe. Digo mais. O Roberto Marinho deve estar descontente com os filhos dele. Como condenar uma pessoa se não há um crime? É como eu vejo.

Qual a sua análise do papel da imprensa neste momento?

Tu sabes do apreço que tenho pelos jornalistas. Minhas batalhas sempre se deram em outra esfera, em outro plano. Tu sabes também o quanto a Globo e seus satélites, como o seu jornal e suas rádios, me perseguiram. As rádios, menos, é verdade. Mas estas costas aqui ainda me doem de vez em quando por causa das chibatadas que recebi das Organizações Globo. Sobretudo da TV e do jornal, que cresceram e prosperaram e se tornaram um império na ditadura. A Globo, sobretudo, é filhote da ditadura! Mas, sabes?, nem disso guardo mágoa. O que se vê hoje, creia, é menos cruel do que eu suportei. Tudo que o Leonel Brizola fazia… e… tiscs… até o que o Leonel Brizola não fazia… tudo era motivo de contestação desse império. A meu ver, Perseu…

Marceu, governador…

A meu ver, o papel da imprensa é fiscalizar, denunciar. E creia que a História só é escrita porque existem contemporâneos que a relatam. Estes contemporâneos são tu e teus iguais, jornalistas, e eu os respeito. Agora, a manipulação, ou o destaque sem medida e sem propósito que se dá a determinados fatos, isso, francamente, a História trata de dissipar e de dissolver no seu grande caldo. De modo que respeito os jornalistas, mas sempre tive graves ressalvas com seus patrões.

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