DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, CRIMES E EQUÍVOCOS FEITOS PELA DITADURA MILITAR – PARTE II

Em meu último texto aqui, falei sobre como o pensamento genial de Getúlio Vargas produziu toda a política de desenvolvimento da Amazônia até hoje, mas também pude falar de forma sucinta, sobre projetos, a meu ver, equivocados a partir da ditadura militar para o desenvolvimento da Amazônia.

Como falei anteriormente, os militares tomaram pra si todos os projetos que os governos trabalhistas de Getúlio e Jango prepararam para a região.

A partir de 1966, com a implantação da SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia; da SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus, foi deflagrada uma política de ocupação da Amazônia baseada no princípio “de integrar para não entregar”.

O IPND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1969 – 1974) explicitava como objetivo nacional, a integração física, social e econômica da Amazônia com o nordeste, através da construção da Transamazônica (BR-230). Logo depois, veio o programa de colonização e assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para o então Território de Rondônia, além da política de incentivos fiscais que criou o Fundo de Investimentos da Amazônia (FINAM) e do FISET para os investimentos setoriais de reflorestamento, pesca e turismo, na forma do Decreto-Lei nº 1.376, de 1974.  Outras ações são o Programa de Integração Nacional (PIN) pelo Decreto-Lei nº 1.106, de 1970; o Programa de Redistribuição de Terras (PROTERRA) pelo Decreto-Lei nº 1.178, de 1971; o Projeto RADAM (Radar da Amazônia) para proceder ao mapeamento fotográfico aéreo e inventários dos recursos naturais e minerais da região complementados pela nova tecnologia do sensoriamento remoto proporcionado pelo satélite LANDSAT. Em 1974, o governo instituiu o projeto Polamazônia (Programas de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia). O objetivo deste projeto era fomentar a implantação de empresas agropecuárias na região e o extrativismo mineral e vegetal. Nas palavras do então ditador Emílio Garrastazu Médici “quero abrir uma estrada que conduza homens sem terra para uma terra sem homens”, mostrando a noção de Amazônia como um espaço vazio que necessitava ser ocupado. Ideologia que direcionou grande fluxo migratório para a região, em grande parte, camponeses do nordeste e do sul do Brasil. A nova “Marcha para o Oeste”.

Tudo isso fundamentado no ufanismo, na megalomania do conceito de “Brasil-Potência”. A propaganda da ditadura militar anestesiava a opinião pública com o “ninguém segura este país”, enquanto nos porões da repressão grassava a barbárie.

Essas políticas trouxeram várias mazelas para toda a região. Seus defensores dizem que sem elas, seria impossível a ocupação efetiva. Mas sem a valorização do elemento humano e das vocações naturais da floresta, tiveram como destino o fracasso.

O que dizer da construção das grandes rodovias, em especial a Transamazônica? Rodovia essa financiada com dinheiro emprestado no exterior e que era propagada como a “rodovia da integração nacional”. Milhares de nações indígenas foram dizimadas e reduzidas a pequenos contingentes em pequenas reservas. Projetos de “colonização” que prometiam “mundos e fundos”, e que na verdade trouxeram grileiros, pessoas de baixa e/ou nenhuma qualificação, analfabetas e/ou com pouca escolaridade, sem documentação e/ou subdocumentadas, com irrisórias possibilidades de conseguir emprego nas empresas exploradoras.  A Amazônia serviu como um sumidouro para os excedentes populacionais que eram expulsos pela mecanização da agricultura e pela concentração da posse da terra em locais como Paraná e o nordeste do Brasil.

Isso aumentou consideravelmente o número de pobres que dependiam da ação do Estado para sobreviver na região amazônica e também afetou a pressão pela exploração dos recursos ambientais de forma inadequada, além de promover a ocupação desordenada das grandes cidades amazônicas como Manaus e Belém, por exemplo.

No governo Geisel, foi implantado o II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979); também tinha como objetivo o investimento em grandiosas obras como: siderúrgicas, hidrelétricas, química básica e minérios. Os novos polos se concentrariam na região norte, por exemplo, Carajás.

Em 1973, por recomendação estrangeira, e visando facilitar os esquemas de grandes empreiteiras e dos grandes consumidores de eletricidade, os militares criam as Centrais Elétricas do Norte do Brasil – ELETRONORTE. Nesse período projetou-se o discurso de “necessidade energética” liderado pelas grandes empreiteiras que passaram a instalar barragens nos rios das grandes bacias amazônicas.

Curiosamente, o maior paradoxo da criação da ELETRONORTE é que, mesmo sendo a estatal energética do Norte do Brasil, sua sede ainda hoje é em Brasília – DF. Isso mostra o descaso do Estado Brasileiro com uma real política de desenvolvimento da região amazônica.

Os rios amazônicos neste momento eram olhados pelos empreendedores simplesmente como jazidas de energia. Os inventários eram estritamente econômicos sem haver a preocupação com a dimensão social e ambiental. De acordo com “um estudo de caso feito pela Comissão Mundial de Barragens apurou que entre 25.000 e 35.000 pessoas foram desalojadas, e que os povos indígenas Parakanã, Assurini e Gavião foram diretamente atingidos”. Atrocidades foram cometidas para a construção da Hidrelétrica de Tucuruí, no estado do Pará.

No entanto, talvez o caso mais impressionante do desprezo brasileiro pelas questões ambientais e pelos Direitos Humanos na construção de barragens seja o de Balbina, no rio Uatumã, no estado do Amazonas. Balbina foi projetada para fornecer energia para Manaus, inundou 2.360 km² e gerou uma média de, somente, 112 MW (com capacidade instalada de 250 MW). A barragem forçou o reassentamento de um terço do povo indígena Waimiri-Atroari, além da perda de milhares de quilômetros quadrados de floresta nativa, fauna e flora dizimadas. Até hoje, as águas do Rio Uatumã são impróprias pra pesca em virtude do apodrecimento da madeira da área inundada, matando os peixes e outras formas de vida.

Os impactos ocasionados na esfera social e ambiental por Tucuruí e Balbina foram enormes, de tal modo que a hidrelétrica de Balbina foi rotulada como “maior desastre ambiental do Brasil”, só sendo superada pela “tragédia de Mariana”. Mais uma vez, isso nos mostra o caráter predatório destes empreendimentos.

O que é pior, é que os mesmos erros ambientais e sociais de Balbina e Tucuruí estão se repetindo em Belo Monte. A cidade de Altamira–PA virou uma terra sem lei. Governos Municipal, Estadual, e Federal, além do Consórcio Belo Monte, ficam “empurrando” as responsabilidades uns para os outros. Com isso, o ecossistema e as populações ribeirinhas e indígenas são alijados das suas terras e do seu sustento.

Sem falar de “Serra Pelada” no Pará. Um imenso “formigueiro humano” a céu aberto. Milhares de pessoas foram em busca do “ouro fácil”.

Quantas mortes foram ocorrendo em decorrência das disputas por ouro?

O Estado não tinha nenhuma presença visando promover justiça social e ações integradoras. Restaram o banditismo, a violência e as disputas terríveis entre garimpeiros e índios, entre posseiros e latifundiários, tudo isso com a mão pesada dos militares.

Quanto mercúrio foi jogado nos rios da Amazônia, contaminando os peixes e a cadeia alimentar. O pescador perdeu seu sustento e seu alimento em nome da cobiça e da leniência covarde do governo militar. Até hoje, temos consequências duras desses crimes e equívocos.

Sem falar das imensas áreas que foram desmatadas para estes projetos. Antes de 1970, a Amazônia tinha uma área desmatada do tamanho de Portugal, e hoje a área desmatada é sete vezes maior.

A Amazônia não pode ser vista como santuário, mas o seu modelo de desenvolvimento não pode ser predatório, nem desidioso com as vocações naturais de uma região complexa, mas com um potencial natural incalculável. Se nós, trabalhistas, queremos um dia governar o Brasil não podemos deixar de observar essas questões do passado.

Os crimes e equívocos da ditadura militar em relação ao desenvolvimento da Amazônia nos deixam um alerta. São cerca de 25 milhões de brasileiros que vivem nessa região e que esperam respostas do Estado Brasileiro para os problemas amazônicos. Precisamos sim ocupar o Vale Amazônico, mas sem destruir a floresta.

A palavra de ordem hoje não é “integrar para não entregar”, mas “integrar para prosperar e preservar”.
Marcelo Barros

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