Nesse mês comemoramos o dia dos namorados. Muito bom ter um amor! Muitos ficam frustrados porque não tiveram um namorado/a para comemorar esse dia, confesso que passei por essa frustração muitas e muitas vezes. Mas, não é sobre isso que quero escrever aqui.
Apesar de desejado por todos, muitas vezes o “amor mata”, os altos índices de femicídio[1] não nos deixam nenhuma dúvida quanto a este fato. Mas, quero ampliar nossa visão, apesar das maiores vítimas em relacionamentos “amorosos” serem mulheres (cis/trans), a violência no relacionamento afetivo atinge também homens e ocorre em relações tanto hetero como homoafetivas.
A violência física ou sexual tem, mesmo com todas dificuldades, conseguido maior visibilidade devido aos programas, campanhas, debates, produção acadêmica, fomentados pelos movimentos de mulheres e entidades de defesa de direitos. Quero chamar atenção para uma violência pouco estudada: a psicológica.
Claro que a violência física, sexual, patrimonial e até a negligência tem no seu interior uma forte violência psicológica, no entanto, um parceiro pode nunca ter sido agressivo fisicamente, destruído pertences do outro, “forçado” uma relação sexual, nem mesmo levantado a voz e mesmo assim violentar de forma sistemática, profunda, seu parceiro.
Em seu texto Violência psicológica e o mito do “machismo sutil”, Natalia Conti assinala: “Por não ter consequências evidentes e explícitas é tratada como um mal menor, de efeito sutil, ou comumente não identificado como machismo, mas, como “desvios” ou “desequilíbrios”, portanto justificáveis.
Mas, os danos causados às vítimas são graves e nada justificáveis, indo desde transtornos psicológicos, depressão, isolamento, até outros agravos na saúde.
Entretanto, exatamente por ser uma prática encarada pelo senso comum como “natural”, como parte dos conflitos existentes em qualquer relação entre parceiros, a violência psicológica torna-se mais difícil de ser combatida. Invisibilizando-se e assumindo uma forma fantasmagórica na vida das mulheres e homens. O Abuso emocional é o mais perverso entre todos os tipos de violência doméstica em decorrência de suas marcas irremediáveis deixadas em suas vítimas.
Ele assume formas clássicas de cenas de ciúmes, interferência no vestir ou maquiagem, isolamento de amigos e familiares, menosprezo das atividades praticadas pela vítima, desvalorização pessoal, acusações de traições, entre outras. Na raíz do abuso físico sempre encontraremos o abuso emocional.
Contudo, para além dos abusos emocionais clássicos acima descritos, temos outros mais requintados como a manipulação emocional através de chantagens, de uma aparente dependência emocional, de responsabilização do outro pelos conflitos ou atitudes tomadas na relação, sedução, mentira, um jogo psicológico que tortura a vítima, mesmo após relações rompidas, em que o/a abusador/a mantém o outro preso a si através de uma subliminar promessa de “um retorno” à relação sem nunca concretizá-la, sendo nesse caso o prazer sádico ver o outro passar pelo sofrimento de amá-lo e ser rejeitado.
A série Jessica Jones trata o tema com maestria. Toda a trama da primeira temporada se desenrola em função do relacionamento abusivo entre Jessica e seu antagonista Kilgrave, recomendo que assistam.
Os estudos sobre abuso emocional são poucos mas a violência não e continua fazendo vítimas que levarão por muito tempo ou por toda a vida marcas nefastas.
Fecho essa reflexão com os versos de “Começar de Novo”, escrito por Ivan Lins e interpretado por Simone, que foi música tema da série Malu Mulher, lembrando que é possível “virar a mesa” e começar vida nova longe de uma relação abusiva:
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as tuas garras sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem tuas escoras, sem o teu domínio
Sem tuas esporas, sem o teu fascínio
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena já ter te esquecido
Começar de novo
Bibliografia:
CONTI, Natalia. Violência psicológica e o mito do “machismo sutil”. (PDF)
CASSAB, Latif Antônia. SOUZA, Hugo Leonardo. Feridas que não se curam: A Violência psicológica cometida à mulher pelo companheiro. Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Politicas Publicas – UEL, 24 e 25 de julho 2010.
SILVA, Luciene Lemos da. ET AL. Violência Silenciosa: violência psicológica como condição da violência física doméstica. Interface – Comunic, Saúde, Educ. V.11, nº 21, p. 93-103, jan/abr 2007.
[1] No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875. https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/
Candida Maria Ferreira da Silva