Nascido em 22 de janeiro de 1911, filho de Inácio Rodrigues de Lima e Apolinária Estranquelina de Oliveira, o pai, quilombola, oriundo de Mituaçu na Paraíba (Comunidade de Preto reconhecida e certificada nos dias atuais), deu continuidade nas práticas tradicionais quilombolas de trabalhar com a terra. A mãe, uma pioneira, sendo negra e mulher, era professora primária, no início do século XX, onde até mesmo a mulher branca era educada somente para os cuidados do lar.
Desse casal, José Vicente aprenderia a importância da resistência, luta e educação. Apoiado pela família formou-se contador, e depois economista.
Foi diretor do Departamento de Economia da Federação do Comercio Varejista de Pernambuco entre os anos de 1943 a 1958.
Também exerceu a direção contábil e patrimonial do SENAC entre 1958 a 1963 e a direção regional do SENAC entre os anos de 1963 a 1968. Em 1968, organizou e instalou o Centro de Aperfeiçoamento e Qualificação profissional para o comércio do SENAC.
Durante o governo João Goulart foi presidente da COAP (Comissão de abastecimento) de Pernambuco.
Na Universidade Federal Rural de Pernambuco organizou e implementou a contabilidade, chefiando o órgão entre 1957 e 1960.
Entre 1960 a 1969 dirigiu a divisão de Contabilidade e Orçamento e foi membro da comissão de planejamento universitário.
Assessorou a presidência da Federação do Comércio Varejista de Pernambuco. Organizou e instalou o Conselho Regional de Contabilidade – seção de Pernambuco. Fundou a Federação Nacional de Economistas onde foi seu segundo vice-presidente.
Como sindicalista, teve uma militância produtiva: presidiu o Sindicato dos Economistas Profissionais de Pernambuco sendo hoje sócio benemérito.
Organizou e instalou os seguintes sindicatos: dos Trabalhadores em energia termoelétrica de Recife, dos Trabalhadores da Indústria do vidro, cristais e espelhos do Recife.
Além de sua vida profissional e militância sindicalista, José Vicente era também um militante aguerrido da causa negra. Num contexto de ideologia de embranquecimento e higienista do governo de Agamenon Magalhaes a fundação da Frente Negra Pernambucana fazia um enfrentamento e projetando a situação social, econômica e o racismo enfrentado pelos negros.
A Frente Negra Brasileira no Rio de Janeiro foi um dos movimentos impactantes do período pós-abolição com forte orientação da educação como forma de ascensão social.
A Frente Negra Pernambucana não se diferenciava na orientação.
Em entrevista ao Jornal Djumbay, José Vicente fala da chegada da Frente Negra, através da visita de Barros “o mulato”, vindo do Rio Grande do Sul, e que com Solano Trindade, José Albuquerque e Gerson Monteiro Lima a entidade em Pernambuco teve seu início.
Nesta mesma entrevista, José Vicente analisa a importância da Frente Negra: “O fato marcante da Frente Negra foi a posição que o negro tomou de se defender e lutar não só contra o preconceito, mas, sobretudo lutar por uma projeção da sociedade”.
No centenário da Abolição da Escravatura, em 1988, o Diário de Pernambuco fez uma edição especial comemorativa, sendo José Vicente um dos entrevistados, e sobre a Frente Negra Pernambucana ele fez a seguinte avaliação que “redimir o negro da condição de semi-escravo, sem acesso aos meios de progresso e ascensão social e econômico, ou seja, sem chances de escolaridade e, por decorrência, sem lugar no mercado de trabalho qualificado”.
Nesta mesma entrevista ele toca na ferida, ainda aberta, da não aceitação do negro por si mesmo, ou o preconceito às avessas, conforme a asensão social e econômica. Muitos negros naquela época não queriam nem mesmo “tocar no assunto” do preconceito e da negritude e conclui: “quando a gente não se reconhece como negros estamos formando a frente dos brancos.”
Ao tocar no “lugar social do negro” e a transgressão de sair desse lugar, estudando, formando-se e assumindo postos de trabalho em que “não deveriam estar”, mostra com análise muito apurada que o preconceito se evidencia ou mostra-se de forma não velada. E dá seu exemplo em que era menosprezado nos tempos do Ginásio Pernambucano sendo chamado de “macaco”.
No prefácio – do livro do historiador Humberto Gibson Palmares “Troia Negra” ele assim se define “Tanto eu como Gibson descendemos de uma família de agricultores de Mituaçu dos Creoulos, localizado às marges do rio Gramame, no estado da Paraíba, que emigrou no passado uma de suas raízes para Pernambuco. Somente podemos dizer: recebemos o recado”.
E qual recado se referia José Vicente?
A resistência e a luta.
Símbolo máximo dos quilombos, herança máxima de todo negro.
Para José Vicente o caminho se dava através da educação, e por isso fundou o Centro de Cultura Afro-brasileira que tinha como objetivo elaborar estudos e pesquisas sobre a cultura afro-brasileira.
Visionário, José Vicente se antecipava na década de 30 às ações que somente nos anos 2000. através das Políticas de Igualdade Racial, começaram a ser realmente implantadas como políticas públicas: a Lei 10. 639/03 qe insere no currículo escolar a história da África e a história da cultura afro-brasileira, as ações afirmativas no meio educacional universitário que possibilitaram a entrada de mais de 200% de jovens negros no ensino superior, e as ações afirmativas em concursos públicos aumentando o número de negros na administração pública.
Na vida política participou do PTB, hoje PDT, sendo assessor de Josué de Castro. Fez uma crítica pertinente na época, que os partidos políticos não levavam a sério a pauta do movimento negro.
Correto, na década de 30, como alguns partidos hoje, veem a questão do negro como questão de classe e não de preconceito e racismo. Somente a redemocratização e partidos mais alinhados a esquerda como PDT e PT vão fomentar com sua militância as discussões e as políticas públicas hoje implementadas.
Critica o esfacelamento do movimento negro e aponta para o individualismo de ascensão social pontuais e não uma conscientização coletiva do negro e sua cultura.
Suas críticas muito pertinentes na década de 80.
Hoje, se vivo fosse, avaliaria os avanços do movimento negro e as políticas públicas implementadas como positivas, contudo, não deixaria de criticar que as mudanças estruturais necessárias, principalmente na educação, para a saída da inferioridade econômica e a permanência na condição de semi-escravos ainda não foram realizadas e estamos distantes de mudar a realidade dos negros no Brasil.
José Vicente encarnou os ideais quilombolas: Resistir e Lutar! Fez sua parte militando no movimento negro, na vida sindical, apontando a educação como porta de saída da inferioridade social e econômica, na luta pela conscientização do negro em relação à sua cultura e identidade. Na década de 30, ao fundar a Frente Negra Brasileira, tinha uma pauta progressista, desafiadora, visionária, que ainda se faz presente no Movimento Negro, e até hoje é pauta de luta de todo negro brasileiro.
Esse homem visionário e lutador é meu pai. E, recebi seu recado: O importante é resistir!
Candida Maria Ferreira da Silva